População atendida em projeto na Base de Estudos do Pantanal apresenta excesso de peso

Estonteantes ao primeiro olhar, as belezas naturais do Pantanal não tornam mais fácil a vida do pantaneiro que, da lida exaustiva, com pouca frequência consegue arrebatar uma alimentação farta e saudável.

A partir de um estudo descritivo com dados secundários provenientes dos prontuários de pacientes adultos atendidos pelo curso de Nutrição, no período de 2015 a 2019, no ambulatório da Base de Estudos do Pantanal da UFMS, localizado na Comunidade Passo do Lontra, no município de Corumbá, as dificuldades socioeconômicas se traduzem em excesso de peso, muitas vezes acompanhado de comorbidades e até problemas como a depressão.

Pelo projeto “Perfil nutricional de adultos atendidos no ambulatório da Base de Estudos do Pantanal, Corumbá, MS”, a professora Deise Bresan, do curso de Nutrição (Facfan) e alguns de seus estudantes conseguiram quantificar as características sociodemográficas, antropométricas, clínicas e o consumo alimentar segundo o sexo. O tema faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso da acadêmica de Nutrição Leticia Rosa de Moraes Borges.

O projeto de pesquisa partiu de um projeto de extensão há anos realizado na Base do Pantanal, sob o comando da professora Ana Paula de Assis Sales (Inisa), que congrega vários cursos da área da saúde (Enfermagem, Nutrição, Medicina, Odontologia) no atendimento da população local.

Professora Deise Bresan (ao meio), com estudantes de Nutrição

“A Base tem um ambulatório que é voltado para essa área da saúde e faz o atendimento das pessoas que vivem na região do Passo do Lontra, região do Abobral, e acaba atendendo aquela população que está distante do centro dos municípios de Corumbá e Miranda também. Esse atendimento é importante para eles, por conta dessa distância”, explica a professora Deise Bresan, vice-coordenadora do projeto de extensão.

Com exceção de 2020, quando os atendimentos presenciais foram paralisados, o curso de Nutrição realizava até oito atendimentos presencias por ano, desde 2015.

Desses encontros, os registros realizados tratam de 70 adultos, dos quais 40 mulheres e 30 homens. A maioria (48,6%) ainda é bem jovem, estando na faixa dos 18 aos 35 anos e 65,7% tem baixa escolaridade, ou seja, estudaram por até oito anos, completando no máximo o ensino fundamental.

Em geral, são pessoas que trabalham nas fazendas próximas ou nos hotéis locais, por ser uma região turística, e alguns pilotam barcos.

A perda de peso (42,1%) é o principal motivo que os levaram a procurar o atendimento nutricional, seguido de reeducação alimentar (36,8%) e por causa de alguma doença secundária (21,1%).

“Algo que chama muito a nossa atenção e surpreende um pouco é a quantidade de pessoas que estavam com excesso de peso: aproximadamente 79,7% das pessoas têm sobrepeso ou obesidade, conforme o Índice de Massa Corporal, sendo que entre as mulheres chega a quase 90% e nos homens em 66,7%. Observamos um excesso de peso bastante acentuado para esta população”, afirma a pesquisadora.

E isso é refletido muito claro pelas condições de vida daquela população, segundo Deise. O acesso a determinados tipos de alimentos é difícil porque estão localizados bem distantes de centros urbanos, o que impossibilita a compra de muitos alimentos.

“Vemos um baixo consumo de frutas e hortaliças, porque são coisas perecíveis, que até compram uma vez por mês, mas isso não dura muito. Essa era uma dificuldade que encontrávamos na hora de orientar, porque todos sabem da importância de consumir esses alimentos, mas existem entraves aí, até mesmo por uma questão econômica, porque são famílias que não recebem muito. Isso é bem difícil, extremamente complicado, o que víamos era consumo de alimentos extremamente ultraprocessados, como refrigerantes”, aponta Deise.

Essas bebidas altamente açucaradas e prejudiciais à saúde são consumidas todos os dias por pelo menos 25% das pessoas analisadas, assim como sucos industrializados, de pacotinho.

Uma dos preparos mais comuns da carne é da forma frita, o que acaba provocando um percentual de gordura maior. 50% dos homens e quase 30% das mulheres consomem frituras de três a sete vezes por semana. A alimentação deles fica baseada no arroz, no feijão, na massa e na carne. Produtos lácteos também foram observados com baixa frequência.

Os nutricionistas entendem hoje a obesidade como algo multifatorial. Além do que se está ingerindo, há questões sociais e econômicas. “Não é a nossa área, mas percebíamos, pelas dificuldades que as pessoas enfrentam, que às vezes estavam ansiosas, deprimidas, e isso acaba influenciando, obviamente, na alimentação, como no consumo diário, por muitos, de doces”, diz Deise.

O número de refeições feitas no dia também chama atenção. Os profissionais da Nutrição orientam o fracionamento da dieta, mas na maioria das vezes eles (72% das pessoas atendidas) faziam de uma a três refeições por dia, o que, em geral, leva a refeições mais volumosas, porque a pessoa fica com mais fome, segundo a nutricionista, e toda essa característica dietética acaba tendo impacto no excesso de peso.

Também foi avaliada a circunferência da cintura. Essa medida antropométrica reflete o risco de problemas cardiovasculares. Entre as mulheres, 89% apresentavam risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, conforme a circunferência da cintura e entre os homens o percentual foi de de 62%; ao todo, 75% tinham risco.

O excesso de peso é fator de risco para diversas outras doenças, como hipertensão, diabetes mellitus, então essas pessoas acompanhadas estão em risco também para outros tipos de morbidades.

A professora explica que houve alguns casos de melhora, com perda de peso. “Às vezes é muito frustrante para os meus alunos quando vão lá, porque trabalham com uma realidade muito diferente, muito dura. Muitas pessoas não têm sequer o que comer, e aí como dizer para elas que têm de consumir frutas e verduras todos os dias? Como indicar arroz integral para quem tem diabetes? A partir das condições que a pessoa tem, minimamente, tentávamos caso a caso fazer uma orientação importante, como a redução das porções e pedir que evitassem, por exemplo, dois carboidratos numa mesma refeição, no caso de diabéticos”.

Além disso, 64% não faziam atividade física, eram sedentários. “É complicado, porque lá é muito quente, úmido, tem muito mosquito. Não tem estímulo. As pessoas trabalham o dia todo, quando é na boca da noite têm medo de sair por conta de onça e outros animais”.

Em uma próxima fase, a professora pretende lançar um projeto de pesquisa para investigar anemia e pressão arterial nessa população.

“É um povo muito sofrido que não tem sequer água tratada, saneamento básico, o mínimo. Com as queimadas, muitos estavam passando apuros, porque vivem numa região turística. É importante para os alunos conhecerem essa realidade. O Brasil é um país muito desigual e eles precisam saber que podem ter de trabalhar com pessoas que tem condições muito difíceis de vida. Tenho tido um feedback muito bom deles”, analisada a professora.

Texto: Paula Pimenta