Fotos: Jacqueline Marques Petroni

Pesquisa com liquens investiga potencial antimicrobiano

Há dois anos a Organização Mundial da Saúde publicou sua primeira lista de “agentes patogênicos prioritários” que representam grande ameaça à saúde humana. A preocupação com o aparecimento de superbactérias, em especial as Gram-negativas, resistentes em sua maioria a múltiplos antibióticos, mobiliza a comunidade científica.

Professora Ana Camila Micheletti

Debruçar-se sobre a questão começa ainda na pesquisa básica, caminho inicial para descobertas mais avançadas. Nessa linha, a professora Ana Camila Micheletti, do Instituto de Química (Inqui) investiga o potencial antimicrobiano de extratos e compostos isolados de liquens.

“Avaliamos a atividade antibacteriana dos liquens – extratos e compostos isolados. Trabalho também com síntese dos compostos com potencial antibacteriano, bem como com avaliação para outros grupos, pesquisadores que trabalham com produtos naturais, com compostos sintéticos, complexos metálicos”, explica a professora.

A pesquisadora está aperfeiçoando as técnicas para poder extrair maior número de resultados em cada ensaio. Com relação especificamente ao trabalho dos liquens, foram obtidos alguns resultados bem interessantes com extratos e alguns compostos isolados.

“Esses são ensaios preliminares, avaliamos qual seria a atividade sobre algumas cepas bacterianas selecionadas. Temos parceria com o pessoal do Hospital Universitário que fornece algumas cepas isoladas de pacientes (parte clínica)”, diz.

São solicitadas para a pesquisa cepas com perfil de resistência alto, ou seja, que sejam bem resistentes a diversos antibióticos. São cepas multirresistentes de bactérias que estão aparecendo com uma certa frequência.

“As bactérias estão ficando cada vez mais resistentes e estamos um passo atrás. Não conseguimos igualar, o que dirá estar um passo à frente nesse momento. Tentamos trabalhar com algumas bactérias que são definidas pela OMS como prioritárias”, completa a professora.

Ana Camila explica que dependendo do tipo de composto que irá trabalhar, requisita algumas espécies de bactérias. “Temos algumas parcerias onde o pesquisador me diz de antemão que provavelmente sejam compostos mais tóxicos, então eu seleciono bactérias que em geral são de pele, como o Staphylococcus aureus”.

A professora também procura estabelecer parcerias com pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (Famez). “Se eu encontro compostos e extratos interessantes nos meus ensaios, converso com os pesquisadores que me cederam o material para saber se têm interesse de avaliar também com as bactérias que são problemáticas para a Veterinária, estabelecendo um meio de campo entre os pesquisadores daqui e da Famez”.

Resultados

Placas de bioautografia, um dos métodos para determinar atividade antimicrobiana

Para pesquisas, a professora possui acervo com quatro ou cinco cepas comerciais, com perfil de suscetibilidade conhecido, e mais 10 a 12 isolados clínicos. Na pesquisa em andamento, foram utilizadas duas cepas comerciais e duas clínicas resistentes.

“Tivemos resultados bem legais, com potencial interessante. Quando trabalhamos com produtos naturais em geral, frisamos que a natureza tem um potencial absurdo para gerar produtos de interesse comercial dentro de várias áreas e a farmacêutica é a principal delas, mas não quer dizer que ao se alcançar um composto ativo num teste preliminar isso vai chegar a virar um fármaco”, explica a professora.

Mas é interessante conhecer esse grande potencial que a natureza tem para gerar produtos, afirma Ana Camila, sendo imprescindível promover a conservação da biodiversidade. Na pesquisa a professora utiliza espécies de liquens da Antártica e alguns do cerrado da região de Aquidauana, em Mato Grosso do Sul, entre outras regiões.

Em todo o mundo, ainda são preliminares os testes com uso de líquens com funções antibacterianas, havendo relatos na medicina tradicional chinesa e indígena americana.

Os liquens são organismos que crescem numa velocidade lenta e não são facilmente cultiváveis. Esse é um problema, porque liquens crescem muito lentamente. Um organismo de 20 anos pode gerar poucos gramas de extrato.

São compostos que têm interesse maior para servir como modelos. “Avaliamos o produto natural, mas se tiver um grande potencial farmacológico, a estratégia seria a síntese total ou de um pedaço da parte mais ativa da estrutura”, expõe Ana Camila.

Com técnica de microdiluição em caldo, a pesquisadora oferta as bactérias tudo o que elas precisam para crescer: meio de cultura rico em nutrientes e com temperatura adequada e acrescenta uma concentração das substâncias isoladas ou dos extratos. “Variamos essas concentrações de um número grande para um pequeno. Deixamos crescer por 24 horas e avaliamos onde o microrganismo se desenvolveu”.

De acordo com a literatura, na Concentração Mínima Inibitória (CMI) de até 10 microgramas por ml, a atividade é considerada significativa. Entre 10 e 100, moderada e acima de 100, baixa. Para extratos, que são misturas mais complexas, até 100 é significativa, entre 100 e 625 é moderada e acima desse valor, baixa.

“Analisamos compostos e extratos com CMI muito significatica, inclusive para bactérias resistentes. É bem interessante. É tudo preliminar, ainda não fizemos ensaios de toxicidade, por exemplo, para avaliar se há risco de ser tóxicos para células de mamíferos”, aponta a professora.

Ser bactericida ou bacteriostático não é uma característica chave para um composto ser considerado ideal para o tratamento de uma infecção bacteriana. Enquanto as substâncias bacteriostáticas inibem o crescimento, as bactericidas provocam a morte da bactéria.

“É só uma classificação. Existem antibióticos que são bacteriostáticos. Não é necessário matar as colônias bacterianas para deter a infecção. As sulfas são bacteriostáticas, são antibióticos utilizados na terapêutica”.

As atividades dos compostos e extratos tiveram seletividade para as bactérias Gram-positivas. “As Gram-negativas são os maiores problemas em termos de infecção hospitalar, são mais difíceis de tratar. A parede celular é mais complexa, é mais difícil de fármaco atingir, são problemas maiores”, explica.

Líquens são associações de algas e fungos que produzem compostos muito diferentes das plantas. “Temos uma associação entre algas e fungos que produzem uma coisa completamente diferente desses dois em separado, com potencial biológico absurdo. A Literatura mostra que a quantidade de compostos de liquens com alguma atividade biológica de interesse para os humanos é muito grande. São muito interessantes, e apesar de terem toda essa química diferente, os metabólicos que produzem são mais simples que uma boa parte dos que são produzidos pelas plantas. São uma associação muito elegante. Produzem uma carga menor de compostos, com uma simplicidade estrutural com relação a plantas superiores, mas com potencial muito grande”.

Pesquisando liquens desde a época de iniciação científica, a professora Ana Camila, que no Doutorado trabalhou com a modificação estrutural de compostos de liquens, a partir do isolamento e modificação química da estrutura desses compostos, é uma entusiasta nas pesquisas de antimicrobianos.

“As mortes e morbidades causadas pelas bactérias estão superando as causadas pelo câncer. E evoluem numa velocidade muito grande. Precisamos urgentemente trabalhar na busca de novos compostos”, afirma.

 Paula Pimenta