Dos dias 26 a 28 de novembro, quatro pesquisas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), desenvolvidas por integrantes do Impróprias – Grupo de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Diferenças, foram apresentadas na modalidade on-line da Jornada Internacional de Iniciação Científica e Extensão Universitária. O evento foi realizado na cidade de Porto, em Portugal, e é uma iniciativa conjunta do Centro Português de Apoio à Pesquisa Científica e Cultural e diversas instituições de ensino e pesquisa do país e do exterior.
Os projetos de pesquisa foram orientados pelo professor da Faculdade de Ciências Humanas (Fach) Thiago Duque, que destaca a importância das bolsas de Iniciação Científica e o esforço dedicado pelos estudantes ao plano de trabalho. “A importância está no fato de eles terem o reconhecimento, ainda na graduação, de suas reflexões autorais. Em um contexto em que, muitas vezes, a universidade pública é atacada, especialmente pesquisadores das Humanidades, ter a oportunidade de participar de um evento internacional, mesmo à distância, faz com que eles aprendam o quanto o diálogo entre pares é fundamental para qualificar ainda mais nosso trabalho de pesquisa”.
Para o docente, a participação da UFMS nesse evento representa o reconhecimento da qualidade da pesquisa realizada e destaca a importância do investimento público na formação de futuros cientistas ao promover experiências internacionais, trocas de informações e promoção da diversidade temática, teórica, cultural e metodológica na produção do conhecimento científico em nível global. “Sabemos que temos gerado impacto na sociedade para além da formação acadêmica dos vinculados ao grupo. Ao mesmo tempo, temos promovido discussões de nossas produções em diferentes disciplinas, fazendo com que o currículo da formação de estudantes de graduação e pós-graduação na UFMS também seja composto por pesquisas autorais do Impróprias, realizadas dentro da própria UFMS”, afirma o professor.
“Nosso objetivo é ampliar as atividades de pesquisa, ensino e extensão. Ao mesmo tempo, desejamos que mais interessadas e interessados se juntem ao nosso trabalho com a mesma dedicação e seriedade que os atuais membros do grupo possuem”, complementa.
Entre os estudos apresentados com apoio da UFMS, Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, destacaram-se investigações que abordam temas contemporâneos sobre gênero, sexualidade e as influências da pandemia de Covid-19. O trabalho de Isabela Costa de Sá analisa a figura de Zé Gotinha na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, enquanto Alistair Dante Lee Burema propôs uma análise crítica sobre masculinidade, violência e os aspectos pedagógicos do álbum Necropolítica da banda punk brasileira Ratos de Porão. Outro estudo foi o de Kamilly Vitória Gomes da Silva, que discutiu os aspectos curriculares e pedagógicos presentes em perfis de mulheres brasileiras conservadoras no TikTok pós-Covid-19, com foco na construção da feminilidade nas redes. Por fim, Argemiro Rodrigues da Silva Neto investigou as festas LGBTQIA+ em Campo Grande e os impactos sociais e pedagógicos da noite na cidade.
Pesquisas
A pesquisa Zé gotinha na Parada do Orgulho LGBT de São Baulo (Brasil): aspectos currículo-pedagógicos de governamentalidade e masculinidade pós-Covid-19, conduzida pela estudante da Fach Isabela Costa de Sá, propôs uma reflexão crítica sobre como a figura do personagem se insere em disputas de poder e narrativas identitárias no Brasil após o período pandêmico.
Ao participar da Parada, Zé Gotinha foi associado a discursos LGBTfóbicos e as narrativas geradas destacam-se em tempos de crescente desinformação e polarização social, exacerbadas pelas redes sociais. “Acredito que apresentar minha pesquisa no evento da Jornada Internacional de Iniciação Científica e Extensão Universitária permite não apenas dar visibilidade ao tema, mas também estabelecer conexões com outros pesquisadores de diferentes áreas”, afirmou Isabela. Ainda segundo o estudo desenvolvido, essas narrativas são reflexos de um contexto político e social em que a luta por direitos e a defesa da saúde pública são constantemente desafiadas por discursos de ódio.
A análise também apontou que a desinformação que circula nas redes sociais têm um papel crucial na formação de estigmas e na resistência a políticas públicas inclusivas. “A desinformação não ameaça apenas a saúde pública, mas também a credibilidade de instituições científicas a partir da deslegitimação de suas contribuições”, destacou.
O estudante Alistair Dante Lee Burema apresentou a pesquisa intitulada Masculinidade, Covid-19 e Violência: aspectos currículo-pedagógicos do Álbum “Necropolítica” (2022) da Banda Punk Brasileira Ratos de Porão. Sua motivação surgiu da proximidade com o movimento punk, que ele reconhece como um local de potencialidade transformadora. O projeto examina como essas masculinidades se constroem e se disseminam, impactando a sociedade em vários níveis, incluindo a cena underground, onde o movimento punk está inserido. “Vivemos em um contexto político e histórico onde não podemos fugir dessa violência e temos que encontrar maneiras de combatê-la. Isso surge da importância de analisar como essas masculinidades e violência são apresentadas e como são construídas”, explicou.
“Publicar em um evento grande sempre traz fortes emoções, um misto de ansiedade boa e ruim. Com certeza é um grande passo na minha jornada acadêmica, e espero ansioso por novas oportunidades de eventos internacionais. Ainda tenho muito o que pesquisar”, afirmou.
Sobre a importância de eventos como a Jornada Internacional de Iniciação Científica e Extensão Universitária, o estudante argumenta que as pesquisas acadêmicas, principalmente aquelas realizadas por estudantes em iniciações científicas, ainda enfrentam um grande desafio de visibilidade. “Eventos como esse fazem o trabalho fantástico de descobrir esses pesquisadores e mostrar ao mundo acadêmico o que tem sido produzido. Vivendo em um Brasil onde a discussão de gênero e sexualidade são tão abafadas, momentos como esse são ainda mais cruciais para expandir o alcance desses debates”, destacou.
Com a experiência do evento internacional, Alistair expressou sua determinação em se profissionalizar cada vez mais como pesquisador e expandir seus horizontes dentro da academia. “Sei que esse evento foi um grande passo para mim e espero que continue sendo um grande passo para outros estudantes que virão depois. Mesmo em tempos de autoritarismo e apagamento, os pesquisadores de gênero e sexualidade se mantiveram firmes e fortes, e espero ver, nos próximos anos, um crescimento cada vez maior desses debates”, concluiu.
Já a estudante do Curso de Ciências Sociais Kamilly Vitória Gomes da Silva abordou questões sobre feminilidade e conservadorismo nas redes sociais durante a pandemia. A pesquisa intitulada “Como ser feminina?”: aspectos curriculares e pedagógicos em perfis de mulheres brasileiras conservadoras no TikTok pós-Covid-19 destaca o impacto das redes sociais na construção de identidade, na política e na sociedade, oferecendo uma nova perspectiva sobre o feminismo, as relações de gênero e os desafios contemporâneos.
Segundo Kamilly, o que a motivou a investigar o tema foi a curiosidade em entender os diferentes tratamentos sociais dados aos conceitos de “ser mulher” e “ser homem”, principalmente com o crescimento do conservadorismo no Brasil nos últimos anos. “Existem pesquisas que apontam que, durante a pandemia da Covid-19, houve um aumento exponencial do uso das redes sociais, sobretudo do TikTok, que, pelo formato de vídeos curtos, conseguem fixar as pessoas por mais tempo no conteúdo. Além disso, o ambiente on-line vem sendo essencial para as pesquisas nas áreas sociais, especialmente em tempos de pandemia, quando as pessoas passaram mais tempo socializando virtualmente”, explicou.
“Minha impressão é que a influência do conservadorismo nas redes sociais vai reverberar muito sobre a identidade social construída em torno de ser ‘mulher’. Seja nos aspectos mais performáticos, como roupas, ou em papeis como ‘esposa do lar’, mas também em uma agenda política. Esses artefatos nas redes sociais não podem ser vistos apenas como ‘meros vídeos’. Eles estão influenciando diretamente em cenários políticos, campanhas e até mesmo na formação de candidaturas”, afirmou.
Kamilly conclui que as redes sociais, principalmente plataformas como o TikTok, não podem ser ignoradas quando se pensa na articulação de políticas públicas e sociais. “Pensar nas redes sociais vem sendo pensar a articulação das políticas públicas e sociais que afetam nossas formas de existência. O conservadorismo pode mudar de forma, aparecer com outros termos, como ‘antifeministas’, ‘conservadoras’ ou ‘clean girls‘, mas a influência está presente, produzindo ou barrando outras formas de existir”, enfatizou.
A estudante ainda compartilhou sua satisfação em representar a UFMS e a ciência sul-mato-grossense nessa Jornada. “Apresentar em um evento internacional foi de extrema satisfação, pois além de expandir meus horizontes para conhecer outras pesquisas, pude representar a comunidade científica da UFMS e a ciência que vem sendo produzida no nosso Estado”, finalizou.
Com a pesquisa Festas LGBQIA+ e a produção das diferenças: aspectos currículo-pedagógicos da noite em Campo Grande (Brasil), quem também se apresentou na Jornada foi o estudante da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia Argemiro Rodrigues da Silva Neto.
Segundo Argemiro, a motivação para o estudo surgiu de sua própria identidade e pertencimento à comunidade LGBTQIA+. O estudo foca na maneira que essas festas funcionam como espaços de aprendizado e sociabilidade em Campo Grande, onde as pessoas exploram suas identidades por meio da música, vestimenta e interações sociais.
A pesquisa destaca a utilização de redes sociais, como ferramenta pedagógica para divulgar e interagir com o público. “O espaço on-line retroalimenta o espaço físico”, explicou, referindo-se ao modo como as festas começam a ser divulgadas e organizadas virtualmente.
Além de analisar a dinâmica social das festas, o estudante também explorou os elementos pedagógicos presentes nesses eventos. A maneira como as festas utilizam memes, as premiações para os melhores looks e a escolha cuidadosa das músicas são considerados aspectos pedagógicos importantes ao ajudarem na construção e expressão de identidades dentro da comunidade LGBTQIA+. “Esses elementos fazem parte da identidade das pessoas, sejam dos produtores, organizadores ou público”.
Seus planos futuros incluem continuar a pesquisa e aprofundar seus estudos em políticas públicas relacionadas à juventude, gênero, raça e sexualidade, com foco no impacto das políticas públicas no bem-estar da comunidade.
Texto: Nayane Aleixo, bolsista da Agência de Comunicação Social e Científica