Taipa: levantamento, normas e pesquisas disseminam técnica mais sustentável

Suprir as atuais necessidades dos seres humanos sem comprometimento futuro do meio ambiente e das próximas gerações é a definição da sustentabilidade, tão bem representada na proposta de construção de edificações a partir do uso da terra crua que dá vida às casas de taipa de pilão.

Além do papel sustentável e ecológico, as construções com taipa – sistema construtivo de parede não convencional que consiste em compactar a terra em camadas, dentro de formas – são ímpares, oferecendo ao cliente exclusividade na coloração e desenhos que podem ser feitos com a matéria prima, com resultado final personalizado.

Capela do Morumbi (SP)

Para disseminar essa técnica, o Grupo de Pesquisa Canteiro Experimental, da Faeng, realiza uma série de ações paralelas que pretendem desmitificar preconceitos e informações equivocadas e ampliar o interesse pelo material construtivo.

Uma das propostas em andamento é o projeto de pesquisa “Levantamento de obras de taipa no Brasil”, coordenado pelas professoras Andrea Naguissa Yuba e Karina Latosinski.

“Para obtermos informações sobre as edificações íamos direto ao site dos arquitetos ou as redes sociais de pessoas que já construíram. Não havia uma fonte de informação que reunisse essas obras, por isso estamos realizando esse levantamento. Os dados obtidos serão organizados para compor um futuro guia de arquitetura, a ser utilizado por pesquisadores, estudantes e profissionais da área, na perspectiva de reduzir as barreiras para disseminação da tecnologia”, diz a professora Andrea.

A taipa não é comum no mercado da construção civil e pelo levantamento – que dará vida ao site Brasil Taipa – foi possível obter dados de obras existentes no país. “Queríamos informações que ajudassem as pessoas a entender o sistema construtivo e também diminuir o preconceito com técnicas que usam terra como principal material, porque ainda é associada à doença de Chagas, falta de limpeza, sujeira, o que não ocorre em uma casa de taipa de pilão bem construída”, explica a professora Andrea.

Até o momento 50 obras já estão cadastradas para serem expostas no site que trará informações sobre a espessura das paredes, área de localização nas edificações, fotos, nome do arquiteto ou projetista responsável, nome da obra, área da construção, empresa que construiu, técnica envolvida, ano de conclusão, entre outras.

“O levantamento foi feito basicamente com pessoas conhecidas, que sabemos que construíram em taipa e também com base em informações de sites, divulgação em redes sociais, informações de autores e também em alguns documentos científicos”, expõe a professora Karina Latosinski.

O site admite novas inserções e a ideia é que funcione como um banco de dados e possa ser alimentado continuamente. “Esperamos que as pessoas passem a colaborar, não só arquitetos e engenheiros, mas também usuários e curiosos das casas de taipa e assim teremos um repertório maior dessas construções no Brasil”, diz a professora Andrea. Colaborações podem ser enviadas para o e-mail canteiro.ufms@gmail.com.

Sede de fazenda em Taquarivai (SP)

Além da criação do site, o grupo participou da elaboração do texto-base para as Normas Brasileiras Parede de Taipa de Pilão – Execução e Controle de Obras e também Parede de Taipa de Pilão – Requisitos e Métodos de Ensaios. “Sem a norma não é possível financiar, justamente por não ser convencional”, afirma a professora Karina.

Outra linha de trabalho pretende desenvolver um sistema de formas com base nas experiências canadense, australiana e brasileira, além das mais antigas. “Queremos tirar o melhor de cada uma delas e fazer uma forma dos sonhos”, vislumbra a professora Andrea.

Primórdios

A taipa é usada desde a época colonial no Brasil e ainda hoje há paredes com espessura de um a um metro e meio de largura, muito além dos 20cm empregados no protótipo construído no Canteiro Experimental da UFMS e dos habituais 30 a 40cm empregados pelos construtores de taipa mundo afora. A pesquisa apresenta uma grande lista de construções bandeiristas, da região de São Paulo, onde há várias edificações de taipa de pilão, entre casas, igrejas e museus.

Casa na Austrália

“Com o desenvolvimento da técnica, essas espessuras foram diminuindo e maneira de produzir também evoluiu. Hoje, à exceção das comunidades mais pobres e remotas, não se usam mais as mesmas formas pequenas de madeira maciça antigas. Os produtores usam formas metálicas e compactadores pneumáticos. As formas são mais dinâmicas, mais fáceis de montar e desmontar e geram também superfícies mais lisas, mais adequadas ao nosso padrão de consumo”, diz a professora Andrea.

Pelas obras recentes, as pesquisadoras identificaram que é crescente o uso da taipa no Brasil. Em outros países como Austrália, Canadá e Estados Unidos, onde os arquitetos estão mais acostumados a lidar com esse material, existe toda uma cadeia produtiva em torno da taipa, incluindo construção de casas de alto padrão.  “Quando começamos a fazer nossas pesquisas sempre tínhamos o enfoque da habitação social, mas em dado momento percebemos que a taipa atende outros nichos e é bastante utilizada em outros países”, completa Andrea.

As obras com taipa podem ter uma construção mais rápida por ter menos etapas, dispensando revestimento, o que elimina, por exemplo, reboco e pintura. Como pode ser utilizada estruturalmente, dispensa pilar e viga. Nas formas são colocadas camadas de terra de 15 a 20 centímetros de altura, com redução pela metade do volume original após a compactação.

Casas na China

É possível até mesmo moldar paredes em forma de L ou U, sem risco de tombar porque os elementos da cinta e cobertura colaboram com a unidade. O próprio peso a mantem de pé, em uma proporção adequada de altura com espessura.

Segundo as pesquisadoras, essa é uma tecnologia competitiva, que poderia ficar mais barata se difundida como a alvenaria. Principalmente se o cliente usar a terra do próprio lote, o que reduz custos com a compra do material e do transporte do mesmo. Onde a terra tem mais variação de cores é possível fazer obras que aproveitem dessa característica. A taipa também se comunica bem com outros materiais, como a madeira.

Exemplar universitário

Em uma área de 105 metros quadrados de área construída, com 55 metros quadrados de área interna, a edificação de taipa do Canteiro Experimental é o único exemplar de casa completa em campus universitário.

“A construção no campus, em 2014, foi uma maneira de fazer a divulgação da técnica. A própria idade da obra nos ajuda a defender esse tipo de construção, porque por ser feito de terra as pessoas associam com uma construção não durável, que vai desmanchar ou vai ter manchas com a chuva, e nada disso acontece”, diz a professora Andrea.

Na casa do Canteiro Experimental foi utilizada pequena quantidade de cimento na compactação, mas muitas edificações seculares, onde não foi utilizada qualquer quantidade cimentícia, ainda se mantém fortes.

A sustentação é própria da compactação da terra arenosa – formada de aproximadamente 70% de areia e 30% de argila. “O fato de você compactar significa que está tirando todo o ar que forma poros dentro dessa massa. Quanto mais compactada, mais resistente e durável será”, completa Andrea.

A obra é um diferencial para os alunos da UFMS e desperta grande interesse, não só dos alunos de Arquitetura, mas também de outros cursos. No Mestrado em Eficiência Energética e Sustentabilidade há várias pesquisas em andamento.

Parte do Grupo de Pesquisa Canteiro Experimental (na foto o acadêmico Luiz Fernando Ferrari, professoras Andrea Naguissa Yuba e Karina Latosinski)

Duas dissertações buscaram entender a preferência pela taipa, o que confirmou a questão da preocupação com o sustentável, com atitudes melhores em relação ao meio ambiente, e também o interesse em um produto exclusivo. As casas de taipa possuem benefícios térmicos, sendo indicadas para locais de clima quente como o Brasil. Mato Grosso do Sul, bastante abundante em terreno arenoso, reúne alguns poucos exemplares em Campo Grande, Dourados e Bonito, de acordo com dados obtidos até agora pelo levantamento.

Atualmente, o Grupo de Pesquisa Canteiro Experimental tem a participação dos acadêmicos Luiz Fernando Ferrari, do Curso de Engenharia Elétrica, responsável pela concepção do site Brasil Taipa, Alex Alonso (curso de Artes Visuais) e da Arquitetura Andressa Silva e Gleiciane Cruz. “Ainda há bastante campo para pesquisa, muita coisa para ser desenvolvida”, finaliza Andrea.

Paula Pimenta