Uma iniciativa desenvolvida por uma parceria com a Universidade Cornell (EUA), The Nature Conservancy e o Programa de Pesquisa em Biodiversidade do Pantanal (PPBio-Pantanal) foi selecionada entre mais de mil propostas do mundo todo para receber investimentos do Bezos Earth Fund, criado pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos. Inscrito pelo Centro K. Lisa Yang para Bioacústica da Conservação, da Cornell, que é referência mundial e pioneiro no uso da bioacústica para conservação, o projeto foi contemplado no Desafio de IA para Clima e Natureza e receberá cerca de US$ 2 milhões, com perspectivas de continuidade.
O objetivo é o monitoramento acústico de dois hotspots de biodiversidade do Sul Global: a Reserva da Biosfera Maia, na Guatemala, com o intuito de identificar em tempo real as ameaças às florestas decorrentes de atividades ilegais, e o Pantanal, no Brasil, com o objetivo de fornecer informações sobre a biodiversidade e a saúde do ecossistema.
Conforme o professor do Instituto de Biociências (Inbio) e coordenador da Rede PPBio-Pantanal Capital Natural, Fábio Roque, o ensejo de concorrer ao investimento surgiu a partir de um processo contínuo de aproximação científica entre as universidades, liderado principalmente pelas pesquisadoras Liliana Piatti, da UFMS, e Larissa Sayuri Moreira Sugai, egressa da Instituição que hoje atua na Cornell. “O Bezos Earth Fund apareceu como uma excelente oportunidade para consolidar essa parceria e ampliar o escopo da cooperação, viabilizando um sistema de monitoramento de biodiversidade inovador, colaborativo e de alcance internacional”, informa.
Liliana Piatti conta que o trabalho em conjunto foi iniciado há cerca de três anos, quando Larissa buscava parcerias locais para dar continuidade às pesquisas com as ferramentas no Estado. “Conseguimos, naquele momento, um financiamento da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect), o que nos permitiu organizar o trabalho de campo e iniciar as primeiras coletas de dados acústicos no Pantanal Sul. […] À medida que fomos estruturando nossa coleta e o gerenciamento dos dados, fomos entendendo melhor os potenciais e desafios da pesquisa em bioacústica no Pantanal, que nos permitiu amadurecer a metodologia e criar condições para que o projeto crescesse em escala e impacto”, expõe.
Com a base consolidada, as pesquisadoras reuniram então uma coalizão de outros pesquisadores e instituições interessadas em expandir a iniciativa. “No Brasil, o PPBio Pantanal Capital Natural, coordenado pelo professor Fábio Roque e com a participação de outros professores e estudantes do Inbio e de outras instituições de Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso, e apoio do Governo do Estado de MS, estava começando um projeto voltado ao monitoramento da biodiversidade do Pantanal por meio de bioacústica e DNA ambiental, com o objetivo de gerar informações sobre o capital natural do bioma, úteis tanto para a ciência quanto para a gestão pública e a sociedade. Ao mesmo tempo, o Centro K. Lisa Yang para Bioacústica e Conservação buscava um projeto em larga escala para testar e aprimorar as ferramentas de monitoramento e inteligência artificial (IA) que vinha desenvolvendo. Assim, as duas instituições perceberam que poderiam se beneficiar mutuamente, unindo conhecimento técnico, infraestrutura, redes de pesquisadores e parcerias locais”, aponta.
Parcerias
No acordo de cooperação firmado, o papel da UFMS é facilitar e coordenar o trabalho em campo, oferecendo apoio logístico, mobilizando pessoas e garantindo que todas as etapas do projeto sejam executadas de maneira eficiente e robusta de acordo com os objetivos da pesquisa, considerando as particularidades do Pantanal. Já o Centro K. Lisa Yang é responsável por fornecer os equipamentos e o suporte técnico especializado, além de aplicar modelos de aprendizado de máquina aos dados coletados e capacitar pesquisadores e estudantes brasileiros no uso dessas tecnologias. “Essa parceria é, portanto, uma via de mão dupla: traz tecnologia de ponta para o Brasil, ao mesmo tempo em que reconhece e valoriza o conhecimento local e a experiência dos pesquisadores e comunidades que vivem e atuam no Pantanal”, destaca a pesquisadora Liliana.
“A UFMS, por meio da Rede PPBio-Pantanal, atua como o braço brasileiro da implementação do sistema de monitoramento no bioma. O desafio é grande, será o primeiro bioma do Sul Global a ser monitorado bioacusticamente em larga escala”, complementa Roque. Conforme o professor, as outras instituições irão trabalhar de forma colaborativa para coproduzir conhecimento e ações concretas de conservação, transformando dados de monitoramento em informação útil para políticas públicas e gestão ambiental.
Segundo a pesquisadora Liliana, o projeto representa uma inovação ao unir inteligência artificial e bioacústica em uma escala de bioma. “Pela primeira vez, o Pantanal será monitorado de forma automatizada e contínua, com potencial para detectar aves, mamíferos, anfíbios, insetos e até morcegos a partir de seus sons. O sucesso do projeto depende totalmente do conhecimento local sobre a fauna. Moradores, pesquisadores e até observadores leigos contribuem identificando corretamente os sons das espécies, ajudando a treinar os modelos de inteligência artificial”, informa.
Ainda conforme a pesquisadora, o uso de gravadores automáticos e IA para monitorar os sons da fauna permite gerar informações inéditas e robustas sobre a biodiversidade do Pantanal e, ao mesmo tempo, fortalecer as pessoas que vivem e trabalham no bioma. Os dados produzidos podem apoiar políticas públicas, orientar ações de conservação e valorizar o conhecimento tradicional dos pantaneiros.
Aprovação
Por meio do edital, o Bezos Earth Fund buscou apoiar projetos inovadores que irão utilizar IA para enfrentar desafios ambientais globais. Na primeira fase, 24 propostas foram selecionadas entre as mais de mil concorrentes de todos os continentes e os coordenadores receberam então mentorias e realizaram workshops com as equipes, para alinhar as propostas ao objetivo do edital. Na segunda fase, apenas 15 foram escolhidas para receber até US$ 2 milhões cada.
“A seleção foi extremamente competitiva e contou com uma avaliação técnica rigorosa, apoiada por parceiros como a Amazon Web Services, Google.org e Microsoft Research. Acreditamos que o diferencial decisivo foi a força da parceria de Cornell, pioneira e reconhecida mundialmente no trabalho com IA, com a UFMS e PPBio Pantanal, que representam uma rede de pesquisadores e comunidades locais com profundo conhecimento sobre o território. Essa combinação entre excelência científica e engajamento regional foi o que garantiu nossa presença entre os vencedores globais”, destaca Liliana.
A pesquisadora conta que a notícia da aprovação foi recebida com enorme alegria e profundo senso de responsabilidade. “Receber o investimento do Bezos Earth Fund significa poder dar um salto tecnológico e estrutural em direção a uma conservação mais efetiva, e que combina o que há de mais avançado em inteligência artificial e bioacústica com o conhecimento tradicional das pessoas que vivem no bioma, e de pesquisadores que dedicam suas carreiras inteiras para entender os padrões e processos que moldam o bioma. É também um incentivo simbólico muito forte: mostra que o mundo está olhando para o Pantanal com atenção e que soluções desenvolvidas aqui podem servir de modelo para outras regiões do planeta”, indica.
Roque também ressalta a importância do projeto na internacionalização da UFMS, pois irá promover a mobilidade e intercâmbio de pesquisadores e estudantes entre as instituições envolvidas. “Contribui para a formação de recursos humanos qualificados em novas tecnologias, o que considero essencial em um contexto de rápidas transformações ambientais e tecnológicas. Meu desejo é que essa iniciativa contribua para estruturar um núcleo de alta tecnologia voltado ao monitoramento da biodiversidade na UFMS, alinhado às demandas crescentes de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e à conservação dos ecossistemas brasileiros”, finaliza.
Texto: Ariane Comineti, com informações da Universidade Cornell.
Fotos: Liliana Piatti, Larissa Sayuri Moreira Sugai e arquivo da pesquisadora Liliana.
