Pesquisadores do Inbio assinam artigo capa da Ecology

A evolução das espécies promove um desvendar ininterrupto aos cientistas que debruçam suas vidas em horas de contemplação, estudo, pesquisas. E foi dessa maneira que pesquisadores da UFMS e da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) descobriram e conseguiram comprovar, respectivamente, que morcegos e abelhas também polinizam espécies de ervas-de-passarinho – gênero Psittacanthus – trabalho até então conhecido como exclusivo de beija-flores.

A descoberta é capa da edição de maio – volume 99(5) – da revista Ecology, umas das mais importantes publicações na área, e o artigo é assinado pelos pesquisadores Rodrigo Fadini (Ufopa), Erich Fischer (UFMS), Sônia J. Castro (Ufopa), Andréa C. Araujo (UFMS), Juan Francisco Ornelas (Inecol – México) e Paulo Robson de Souza (UFMS).

Descobertas

A erva-de-passarinho, gênero Psittacanthus, é considerada hemiparasita de árvores, ou seja, germina em cima do galho de outras plantas e de lá suas raízes retiram água para a fotossíntese. O que se conhece há muito tempo é que somente beija-flores polinizavam esse gênero de plantas, com mais de 100 espécies distribuídas desde o México até a Argentina.

“Aqui no Pantanal encontramos uma espécie – Psittacanthus acinarius – que evoluiu características para a polinização por morcegos, e nossos colegas na Amazônia encontraram uma outra espécie polinizada por abelhas. Nossas primeiras descobertas no Pantanal datam da década de 90 e com os anos, em uma brincadeira de detetive, descobrimos os morcegos polinizadores dessas flores”, explica o professor Erich Fischer, ecólogo do Instituto de Biociências (Inbio).

Outras pistas da polinização de Psittacanthus por morcego surgiram com o encontro do pólen da espécie nas fezes dos morcegos, como parte de estudos anteriores por estudantes e pesquisadores do Inbio.

 Prova contundente, porém, se deu com o registro fotográfico realizado pelo professor Paulo Robson (Inbio), na Serra do Amolar (Pantanal), durante curso de campo Ecologia do Pantanal, em 2010. Ao longo de uma noite, o professor programou a câmera para registros a cada minuto. Dentre 465 fotos tiradas, duas delas flagraram o morcego no momento da visita à flor. Uma das fotos foi escolhida para a capa da Ecology. “Pessoalmente essa fotografia me causa grande alegria por três motivos: destaca a importância dos morcegos como agentes polinizadores, a própria fotografia como dado de pesquisa de campo; e, pelo método utilizado, foi um “tiro no escuro” que deu certo”, diz o professor Paulo Robson.

Polinizadores

Os morcegos são essenciais para a polinização de muitas plantas, algumas bem populares como o pequi, o jatobá. Por voarem longas distâncias podem ser essenciais para a reprodução dessas plantas.

“Muitas espécies de plantas têm mecanismos para evitar a autopolinização, e assim reduzir problemas de formação do embrião e aumentar a variabilidade genética das sementes produzidas. Por isso, a espécie de Psittacanthus do Pantanal depende do transporte de pólen entre flores de plantas distantes, serviço realizado pelos morcegos em troca do néctar que as flores oferecem”, explica o professor Erich Fischer.

Ao tomarem néctar nas flores, que lhes garante aporte energético, os morcegos se sujam de pólen na cabeça e pescoço, e ao visitar outra flor fazem essa transferência, ou seja, o sexo para as plantas. Quanto mais longe os polinizadores levarem o pólen – e os morcegos voam longas distâncias – maior variabilidade genética pode ser esperada, e aumento do sucesso da população de plantas.

As flores de Psittacanthus acinarius são esverdeadas, exalam odor desagradável e só abrem após anoitecer, a partir das 18h30, quando os morcegos entram em atividade. Por outro lado, as diferentes espécies de Psittacanthus polinizadas por beija-flores são diurnas e não emitem odor, um vez que as aves não têm o olfato desenvolvido.

Na Amazônia, os pesquisadores Rodrigo Fadini e Sônia Castro encontraram espécie de erva-de-passarinho, Psittacanthus eucalyptifolius, polinizada por abelhas, outro caso inesperado para essa linhagem de plantas. Suas flores são diurnas e exalam odor adocicado que atrai as abelhas. Como material suplementar do artigo, os autores incluíram um filme que mostra o comportamento das abelhas, e o contato dos órgãos sexuais da flor com o corpo desses polinizadores.

“Essa espécie da Amazônia abre muitas flores por dia. Se fossem visitadas por beija-flores, possivelmente haveria grande frequência de polinização entre flores da mesma planta, pois essas aves tendem a permanecer em agrupamentos de flores. As espécies polinizadas por beija-flores geralmente abrem poucas flores por dia, obrigando o deslocamento das aves para conseguir todo o néctar necessário. Essa espécie de erva-de-passarinho na Amazônia atrai diferentes espécies de abelhas agressivas entre elas, o que leva ao deslocamento entre flores de plantas diferentes”, expõe o professor Fischer.

O artigo também é assinado pelo pesquisador do México Juan Francisco Ornelas, especialista em filogenia (estudo dos ramos evolutivos). “A participação dele foi muito importante e oportuna, pois ele estava justamente estudando a filogenia desse grupo de plantas e pode incluir as duas espécies, do Pantanal e da Amazônia, em suas análises”, explica o professor Fischer.

Os resultados mostraram que as espécies de Psittacanthus estudadas no Pantanal e na Amazônia são evolutivamente próximas e recentes, indicando que a polinização por morcegos ou abelhas ocorreu a partir de espécies ancestrais polinizadas por beija–flores. “Os resultados derrubam o paradigma de que as espécies de Psittacanthus são polinizadas exclusivamente por beija-flores, e abre um leque de novas questões”, conclui.