Uso de tecnologias digitais no ensino superior é avaliado por pesquisadora

O irreversível avanço tecnológico reescreveu o modus operandi na quase totalidade das atividades e avança também, ainda de forma incipiente, na formação universitária. A pesquisa “Práticas pedagógicas e tecnologias digitais no ensino superior: formação inicial de professores e inovação na UFMS”, tese de Doutorado da professora Daiani Damm Tonetto Riedner, sinaliza o desenrolar dessa realidade na Universidade.

“Desde quando fui aluna de Pedagogia na UFMS (formou-se em 2010), essa questão me incomodava bastante porque percebi que meu curso não estava me preparando para o trabalho com o uso de tecnologias digitais na escola. Minha trajetória na Instituição, trabalhando em projetos e cursos vinculados à Educação a Distância, e posteriormente quando ingressei como docente, me permitiu vivenciar de perto essas necessidades que contribuíram para construir esse objeto de pesquisa”, diz a professora, que também é chefe da Divisão de Educação a Distância da SEDFOR/UFMS.

A pesquisa realizou um mapeamento das práticas pedagógicas por meio da análise dos projetos de curso de licenciatura, com questionários respondidos por 59 professores e 161 alunos desses cursos, além de 44 entrevistas com professores (24) e estudantes (20) dos cursos de Pedagogia de seis Câmpus da UFMS. Dos 49 cursos de Licenciatura da UFMS, 21 cursos foram selecionados para a pesquisa, pois apresentavam em seus projetos pedagógicos disciplinas obrigatórios e/ou optativas relacionadas ao uso de tecnologias digitais.

“Tentei discutir na pesquisa a relação da cultura digital com a formação de professores. No momento em que vivemos, as nossas práticas sociais são permeadas pelo uso das tecnologias digitais. Tanto os professores, como os jovens, têm o uso social de tecnologias muito intenso, mas o uso pedagógico é muito pequeno. Então a convergência do uso social para o uso pedagógico é onde temos de chegar por meio de novas práticas, novas metodologias e isso envolve também uma mudança na nossa concepção de ensino aprendizagem, que está muito voltada ainda para a lógica da transmissão/recepção e não da interatividade, do conhecimento que é construído de forma colaborativa”, explica Daiani.

As práticas que têm como base a sala de aula tradicional ainda são preponderantes nos cursos de formação inicial e esse reflexo é sentido na escola quando os professores formados iniciam sua carreira docente e se deparam com a necessidade de trabalhar com recursos, para os quais não tiveram nenhuma formação. Muitos professores que estão atuando nas escolas, segundo a pesquisadora, não têm ideia de como fazer também essa convergência das tecnologias para o uso pedagógico porque não tiveram experiência no seu processo de formação.

Para os alunos participantes da pesquisa, o mais importante, para além de ter a oferta de disciplina específica sobre tecnologias digitais, seria que os professores, de alguma forma, conseguissem fazer uma relação dos conteúdos das disciplinas como uso dos recursos digitais, proporcionando aos professores em formação experiências que desenvolvam habilidades e conhecimentos necessários à sua atuação na escola.

“Mas isso requer uma incorporação do uso de tecnologias mais avançada. O conceito que discuto é o de capital tecnológico, como um conjunto de habilidades e práticas relacionadas ao uso de tecnologia. Esse conceito considera a tecnologia como cultura e o uso de tecnologias como práticas culturais, que no contexto dos cursos de formação de professores podem ser desencadeadoras de processos de inovação das práticas pedagógicas. O capital tecnológico se apresenta em três dimensões: objetivado (aquilo que os professores têm de artefatos tecnológicos), o institucionalizado (a formação que possuem para o uso de tecnologia, cursos, experiências formativas), e o capital incorporado (as práticas desenvolvidas em sala de aula com uso de tecnologias). Tudo isso ainda está iniciando entre os nossos professores”, afirma.

Práticas restritas

De um grupo de 24 professores entrevistados, a pesquisadora conseguiu destacar apenas dois que dentro do contexto institucional desenvolvem práticas inovadoras. Embora exista o discurso da inovação e haja um movimento da Instituição para formar os professores – com ações sendo desenvolvidas, afirma Daiani, o resultado ainda é muito pequeno dentro das necessidades que esse cenário de formação inicial apresenta.

As duas professoras destacadas, lotadas em Campo Grande e Naviraí, conseguem distanciar-se da lógica da sala de aula considerada tradicional. Elas foram além, desenvolveram trabalhos em que os alunos utilizam tecnologias para criar conteúdos, para realizar atividades que estão relacionadas ao seu contexto de aprendizagem. Saíram da perspectiva de aprendizagem passiva, para a “aprendizagem maker”, ou seja, em que os estudantes aprendem com experiências de leitura, reflexão e criação em diversos espaços de aprendizagem, que envolvem a produção de vídeos, sites, blogs, interação no Facebook, no WhatsApp ou em Ambientes Virtuais de Aprendizagem.

A professora de Naviraí envolveu os estudantes de Pedagogia em um projeto de extensão em uma escola pública, onde realizaram experimentação e análise de aplicativos no smartphone e desenvolvimento de atividades, na perspectiva do mobile learning.

“As duas professores que se destacam, em seus percursos, tiveram mais experiências com uso de tecnologias voltadas para contexto de aprendizagem. Os demais professores têm experiência no uso da tecnologia voltada para o uso social – mensagens instantâneas, envio de e-mails, coisas administrativas. Embora até conheçam outros recursos que possam ser utilizados na aprendizagem, ainda não possuem domínio necessário que os deixe confortáveis para utilizar em sala de aula”, expõe a pesquisadora.

Isso demanda um tempo de preparação, e a principal questão é a metodologia do trabalho. Segundo Daiani, os professores têm certo receio de mudar a forma como estão ensinando, pois acreditam que se está dando certo não é preciso mudar, e não se sentem confortáveis com uso de tecnologias, por fatores que vão desde a formação até a infraestrutura física e tecnológica disponível. “Hoje a responsabilidade da aprendizagem ainda está muito em cima do professor. Quando ele transfere boa parte dessa responsabilidade para o aluno, sente-se inseguro de perder o controle na condução da aprendizagem. ”

Pelas entrevistas, foi possível identificar que os professores percebem que precisam mudar algumas coisas nas suas práticas, mas ainda não encontraram condições para fazê-lo, segundo a professora. “Até porque a infraestrutura tecnológica da Instituição ainda deixa a desejar: 70% dos cursos de licenciatura não possuem um computador em sala de aula, 70% dos cursos não possuem data show fixo na sala de aula, e em 42% dos cursos, embora tenham acesso à internet, a conexão nas salas de aula é ruim ou quase inexistente. O fato de o professor ter que carregar a sua “parafernália tecnológica” ou depender de disponibilidade de agendamento de equipamentos, já é um fator que limita esse uso”, afirma.

Dos 161 alunos que participaram da pesquisa, apenas 23% tiveram experiência com o uso de tecnologia na trajetória escolar, mas todos fazem uso da tecnologia para as atividades de aprendizagem no ensino superior. Embora os cursos ainda não tenham essas práticas, eles tentam por meios próprios entender os recursos e usá-los. Os alunos indicaram ainda que 91,3% dos professores trabalham aula expositiva com slides, e 40,3% trabalham frequentemente aula expositiva sem nenhum recurso tecnológico. Para 63% dos alunos, as práticas pedagógicas dos professores não são inovadoras.

Ações

No médio prazo, o cenário tende a melhorar, aposta a professora Daiani, principalmente com a formação de professores pela Instituição. Os professores recém-contratados recebem o curso de formação inicial de docentes assim que assumem na Universidade e os demais também estão passando, paulatinamente, pelo curso de “Práticas Pedagógicas Inovadoras na Educação Superior”.

“Acredito que a principal contribuição dessa pesquisa seja tencionar a necessidade de criar um grupo que discuta uma política institucional de formação de professores. Existe um discurso de inovação na Instituição, que está no âmbito da gestão, no sentido de oportunizar aos professores essa formação continuada. Mas essa inovação ainda não está incorporada nas práticas”, afirma. Para a professora é preciso estipular metas e políticas que direcionem o caminho que se quer trilhar para a formação inicial e continuada dos professores na Instituição.

A proposta metodológica do ensino híbrido, em que há convergência do melhor do ensino presencial com o ensino online, têm crescido entre as universidades privadas no Brasil e no mundo. No ensino superior público as experiências ainda são tímidas e isoladas. A perspectiva do ensino híbrido é justamente considerar que existem outros espaços de aprendizagem que não restritos a sala de aula tradicional, na perspectiva da transmissão-recepção.

A professora alerta ainda que se perde ao considerar que os alunos estão em sala de aula apenas para receber informações, pois eles são capazes de criar e produzir conteúdos na medida em que aprendem. “Eles vêm para a sala de aula com muita informação, mas pouca formação. Então a importância do professor não diminui nesse contexto da cultura digital, esse papel apenas se complexifica. É preciso levar em consideração as experiências que os alunos têm de acesso à informação, e oportunizar que essas informações se transformem em conhecimento, por meio de uma prática pedagógica que seja inclusiva, colaborativa, ativa e que proporcione uma leitura crítica da mídia”.

Práticas pedagógicas inovadoras

Para fazer essa convergência do presencial com o virtual, os professores são incentivados a trabalhar com o ambiente virtual de aprendizagem, de apoio ao ensino presencial, como o Moodle. “Usando esse ambiente é possível fazer a personalização do ensino, que são estratégias de acompanhamento individualizado dos alunos, o que não se consegue fazer em uma sala de aula muito numerosa, de forma presencial. No ambiente virtual, é possível dar um feedback personalizado para este aluno e também melhor entender o percurso de aprendizagem”, ensina.

Mesclar a proposta da sala de aula presencial com o uso do Moodle também promove melhor organização e acompanhamento do percurso de aprendizagem, tanto para professor como para o aluno, aliado a um registro permanente da trajetória da disciplina e diminuição do uso de papel. “O aluno fica com o retorno das atividades registrado no ambiente e percebemos que se sentem mais à vontade trabalhando online, principalmente para questionarem, porque alguns temem errar ao fazerem perguntas na sala de aula”, expõe.

A professora Daiani adotou o aplicativo Telegram para trabalhar com seus alunos na disciplina Educação, Mídias e Tecnologias, no Curso de Pedagogia da FAED. Pelo App, além de manter contato e interação com os alunos fora do período de aula presencial, ela desenvolve atividades e discussões que estão integradas ao que é realizado no Moodle e também em sala de aula.

“No grupo do Telegram dou o start da disciplina, o start do conteúdo, conversamos, fazemos um brainstorming do conteúdo e já falo sobre as atividades a serem desenvolvidas. Em cada aula uso recursos diferentes, para que tenham experiências de uso de tecnologias atreladas ao contexto de aprendizagem e também para que sejam autores e protagonistas nesse processo. Eles aprendem muito mais porque não estão só recebendo informações, precisam pensar, pesquisar, ler, produzir e apresentar suas produções utilizando diversas mídias. Nesse momento que estão produzindo, aprendem muito mais do que se apenas me escutassem falando ”.

Além disso, a professora destaca ser importante respeitar o tempo dos alunos, trabalhar de forma colaborativa, ter uma organização bem sistemática, estabelecer uma relação de confiança entre as partes, tendo o professor o papel de mediador, ou seja, aquele que cria os ambientes de aprendizagem, que cria diversas oportunidades de aprendizagem e que acompanha os alunos em todos o processo. Nessa perspectiva não há possibilidade dos alunos serem passivos e não há espaço para transmissão de conteúdos.

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Paula Pimenta