Pesquisadores brasileiros e estrangeiros participam de escavações da Trilha Rupestre

O trabalho arqueológico desenvolvido na Gruta da Mesa, localizada no Parque Natural Municipal Templo dos Pilares, em Alcinópolis, finalizou sua terceira etapa no dia 30 de julho. A escavação foi promovida desde o dia 17 pela UFMS, por meio do Programa Trilha Rupestre e do Museu de Arqueologia da Universidade (Muarq). 

Com o apoio de uma equipe multidisciplinar de pesquisadores e estudantes brasileiros e estrangeiros, foram identificados achados como ferramentas esculpidas em pedra, sementes, vestígios de espécies da megafauna, de combustão e de carvão. O sítio arqueológico é caracterizado pela presença de arte rupestre nas paredes da gruta, com pinturas e gravuras que remontam a uma antiga ocupação humana.

Iniciadas em 2023, as escavações do local buscam reconstruir o cenário de ocupações humanas pré-coloniais na região. Os trabalhos são continuidade de pesquisas desenvolvidas em convênio entre a UFMS, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e o Instituto Politécnico de Tomar, de Portugal. Também participa desta etapa a Universidade do Extremo Sul Catarinense, por meio do Laboratório de Arqueologia Pedro Ignácio Schmitz. A iniciativa conta ainda com o apoio da Prefeitura de Alcinópolis. 

A pró-reitora de Extensão, Cultura e Esporte e arqueóloga coordenadora do Programa Trilha Rupestre, Lia Brambilla, explica que a pesquisa contribui para o entendimento sobre os modos de vida dos primeiros grupos que habitavam o Centro-Oeste brasileiro. “Os achados indicam padrões de ocupação, mobilidade e simbolismo através dos grafismos rupestres entre populações pretéritas e a presença de grupos com domínio de tecnologias de fogo, uso do espaço em abrigos rochosos e possíveis práticas simbólicas associadas às gravuras”.

“A escavação abastece a Trilha Rupestre com dados inéditos, alimenta o acervo do Muarq com novos vestígios e narrativas e potencializa ações de educação patrimonial e turismo de base comunitária. Assim podemos criar materiais sobre educação patrimonial tendo MS como protagonista. É um elo entre ciência, território e sociedade”, ressalta a pró-reitora.

Para Lia, o trabalho arqueológico em Alcinópolis une valorização histórica, preservação ambiental e desenvolvimento econômico para a região. “Ao evidenciar o valor histórico do território, a arqueologia fortalece políticas de preservação e engaja a comunidade na proteção e uso sustentável do patrimônio. A Trilha Rupestre é uma estratégia concreta de educação ambiental, inovação, tecnologia social e valorização da identidade local. Os dados ajudam ainda contribuir para uma arqueologia mais conectada com a diversidade biocultural do país”.

O professor da UFSM e arqueólogo responsável pelo trabalho de campo, André Soares, destaca que a atuação interinstitucional permite uma diversidade de olhares que enriquecem debates e interpretações dos dados coletados. “Parcerias como essa fortalecem a pesquisa por meio da troca de saberes, da formação conjunta de estudantes e do aporte metodológico. Essas redes ampliam o alcance científico e garantem a sustentabilidade da pesquisa em longo prazo”.

O arqueólogo explica que o trabalho desenvolvido em grutas possui uma série de particularidades. “Cada sítio arqueológico tem que ser observado, analisado e estudado de uma forma particular. Além de desafios inerentes às escavações, em grutas a gente tem que considerar que está em um ambiente que sofre alterações com clima e umidade, que podem interferir na conservação dos vestígios, assim como a remoção do solo promovida por animais que deixam suas marcas. A logística de acesso, iluminação e transporte de material também é mais desafiadora”, explica. 

Soares comenta também que, após a escavação no sítio, os achados devem passar por um processo de curadoria e análise. “Todos os materiais serão levados para o Muarq, onde serão higienizados, catalogados, numerados e analisados em laboratório, o que nos levará a novas informações a respeito do local e dos objetos encontrados. Faremos também a datação radiocarbônica de amostras extraídas do local que vão nos falar a respeito da antiguidade do sítio”.

Sítio escola 

O sítio arqueológico da Gruta da Mesa é considerado pelos pesquisadores como um ‘sítio escola’ por características como localização, estado de integridade e possibilidade de desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão no local. No trabalho durante a terceira etapa de escavação da gruta, os estudantes tiveram um papel de destaque e atuaram em todas as fases do trabalho: escavação, triagem, curadoria, análise e divulgação.

A estudante do curso de Licenciatura em História do Câmpus da UFMS em Três Lagoas Alice Dal Bem Paiva conta que participar da iniciativa permitiu aprendizados importantes para o caminho que deseja trilhar como arqueóloga. “Estar na Gruta da Mesa, trabalhando como auxiliar de pesquisa, foi uma experiência inesquecível, tanto por ser um sítio escola onde se aprende na prática, quanto pelos professores e profissionais que nos acompanham. Foi uma oportunidade única devido ao nível técnico do campo e das particularidades da gruta. Os professores são referências na arqueologia e poder conviver em campo e aprender com eles é a parte mais rica do processo”.

A estudante conta que até as atividades cotidianas executadas durante a escavação também foram fontes constantes de aprendizado. “No campo, a lógica é prestar atenção e aprender com as tarefas que estão sendo feitas, tendo proatividade e atenção. Por exemplo, peneirar pode parecer algo simples, mas ali é onde os vestígios aparecem, pequenas lascas, sementes, ossinhos de animais pequenos. Então, olhar quem já tem muita experiência peneirando é a melhor forma de se aprender”. 

A estudante do Mestrado em Período Quaternário e Pré-História no Instituto Politécnico de Tomar, em Portugal, Mischa de Guzman conta que escolheu a Gruta da Mesa como atividade prática para conclusão do mestrado. Nascida nas Filipinas, veio pela primeira vez ao Brasil para participar da expedição em Alcinópolis. “Minha reação inicial foi ficar completamente surpresa e feliz, foi a primeira vez que vi um sítio repleto de pinturas e gravuras. Passei as primeiras horas só admirando a arte rupestre e tentando documentar o máximo possível”. 

Mischa enfatiza que a visita ao Brasil permitiu ampliar sua compreensão sobre diferentes tipos de pré-história. “Tenho estudado arqueologia na Península Ibérica, na Espanha, Portugal e em algumas partes da França. Também já pesquisei sobre a pré-história das Ilhas Filipinas e de alguns países vizinhos do Sudeste Asiático. Em Alcinópolis, pude ter um olhar sobre a cultura e as práticas dos povos pré-históricos na América do Sul. Fazer parte desse trabalho me permitiu expandir horizontes e acreditar que há sempre mais o que se descobrir e aprender”.

Para a estudante, o olhar para o passado também permite uma compreensão mais ampla do que é a humanidade no presente. “Através da arte rupestre, percebemos como as pessoas sempre tiveram a tendência a se expressar. Os humanos sempre quiseram falar, lembrar e serem lembrados — coisas muito humanas que são evidentes nas superfícies pré-históricas que estudo. Não importa em que parte do mundo ou em que época as pessoas existiram, percebi que os humanos sempre serão humanos”.

 

Texto: Alíria Aristides 

Fotos: Arquivo dos pesquisadores