Capa da Revista Science, edição de 26 de janeiro de 2018

Capa da Science, artigo mostra como pressão humana reduz movimentação de mamíferos

Onde a pressão (pegada) humana é maior há drástica redução na movimentação dos mamíferos. Essa é uma das principais afirmativas do artigo “Moving in the Anthropocene: Global reductions in terrestrail mammalian movements”, capa da Revista Science no último dia 26 de janeiro.

Com cerca de 100 pesquisadores de todo o mundo, o artigo também é assinado pelo professor da UFMS Luiz Gustavo Rodrigues Oliveira-Santos, que trabalha com ecologia teórica e numérica, principalmente dentro dos campos da Ecologia de Populações e Ecologia do Movimento.

Professor do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação e líder do  grupo de Ecologia de Populações e Movimento, Luiz Gustavo explica que o artigo é embasado em um banco de dados de rastreamento de GPS com cerca de 800 animais de 57 espécies mamíferas.

O levantamento mostrou que, em média, o movimento dos mamíferos em áreas com uma pegada comparativamente elevada é de metade a um terço da extensão de seus movimentos em áreas onde há menor pressão humana.

“Os pesquisadores fizeram seus trabalhos individualmente e, depois de algumas décadas, resolvemos ver tudo isso em um panorama maior para analisar qual a pressão que o ser humano está exercendo na movimentação desses animais”, explica o pesquisador.

Luiz Gustavo trabalhou com capivaras, cachorros do mato e porcos do mato. Mesmo dentro de uma área antropizada como Campo Grande, é possível encontrar diferenças de movimentação entre animais que vivem em diferentes locais da cidade.

O pesquisador constatou, por meio de GPS, que as capivaras que vivem no Pantanal movimentam-se muito mais do que as que habitam Campo Grande. E mesmo aqui, há diferenças de andança entre os grupos do Parque das Nações Indígenas, Sóter, UFMS e córrego na Avenida Ernesto Geisel, segundo o professor.

“Em extremos, as capivaras do Parque das Nações Indígenas se movimentam muito mais dos que aquelas que vivem no córrego na Avenida Ernesto Geisel. Essas estão em uma situação muito mais impactante, cercadas pela avenida, por carros, por pessoas que as perseguem, diferente do Parque onde a área é bem maior, há policiamento e as pessoas as contemplam e não as perseguem”, compara.

Serviços ecossistêmicos

No artigo, os pesquisadores afirmam que “o movimento dos animais é fundamental para o funcionamento do ecossistema e a sobrevivência das espécies, ainda que os efeitos da pegada antropogênica nos movimentos de animais não foram estimados em todas as espécies”.

Ou seja, essa redução na movimentação dos animais provoca consequências negativas para as espécies e para o serviço ecossistêmico que desenvolvem. Toda vez que os animais ficam ilhados em uma área pequena, os serviços que executam – como dispersão de sementes, polinização, controle de pragas – são reduzidos e podem se extinguir.

“Isso causa vários impactos na população, mas o que chamamos atenção é que cada vez mais as cidades crescem, as áreas de agricultura, e alteram os ambientes naturais, deixando os animais ilhados. Em um futuro próximo, isso fará com que essas populações não se comuniquem mais”, diz o pesquisador.

Luiz Gustavo ressalta ainda que esse isolamento de grupos também provoca endogamia (consanguinidade), aparecimento de genes ruins, anomalia dos filhotes. “Tudo isso começa a acontecer e pode levar a população a longo prazo a sumir”.

O artigo foi feito especificamente com mamíferos, mas o professor acredita que seja extrapolável as demais espécies. “Outros animais devem estar sofrendo da mesma maneira”, expõe.

Com o alerta de que é preciso diminuir essa pegada humana, o artigo aponta a proposta de se fazer mosaicos, intercalando áreas de intenso uso com de pouco uso, intercalando áreas de plantio, com áreas de campo, com florestas.

“Em vez de uma área única extensa, precisamos de áreas mistas, que possibilitem aos animais pular de um lugar para outro e manter seus serviços ecossistêmicos”, diz o professor. Isso já está implantado como política governamental em alguns lugares da Europa, como Alemanha e Portugal.

“Precisamos admitir que os animais fazem serviços que não sabemos fazer ou que ficaria muito difícil de fazermos sem eles, como a polinização das abelhas nos laranjais. Não seria economicamente possível ao produtor polinizar todas as flores. O custo para a manutenção desse serviço tão importante é apenas uma área verde”, afirma Luiz Gustavo.

O artigo alerta que se nada for feito haverá implicações futuras. “A ciência anda mais rápido que a realidade, pensando no futuro. Esperamos que esse alerta surta efeitos”, conclui.

Leia o artigo em http://science.sciencemag.org/content/359/6374/466.

Paula Pimenta