Inteligência artificial auxilia pesquisadores a identificar indivíduos com alto risco de perda dentária

Projeto de pesquisa foi premiado no maior evento internacional de odontologia

Premiação foi realizada em cerimônia on-line em junho

Comer, mastigar, falar, sorrir. Coisas que são aparentemente simples para muitos, tornam-se problemas para as pessoas que sofrem com a perda dentária. “Temos uma população de idosos brasileiros praticamente desdentada e isso significa que há falhas do sistema de saúde. Precisamos olhar para esse serviço e ver como é possível reverter essa estatística. Uma série de fatores sociodemográficos que contribuem para isso, além dos comportamentos de saúde”, explica o professor da Faculdade de Odontologia Rafael Aiello Bomfim.

Ele coordena projeto de pesquisa que envolve o machine learning e a inteligência artificial no desenvolvimento de um programa para identificar indivíduos com alto e baixo risco de perda dentária. “Fiz um curso de machine learning e, então, pensei nesse projeto para aplicar esse conhecimento em bancos de dados de saúde bucal disponíveis”, comenta.

O projeto começou neste ano e já resultou em reconhecimento internacional, sendo escolhido como melhor trabalho na categoria Pesquisa Epidemiológica em Serviços de Saúde do Prêmio Internacional Lois Cohen da Associação Internacional de Pesquisa Odontológica (IADR), sediada nos Estados Unidos. “Submeti o resumo e fiquei muito feliz com a conquista. Já venho participando desde 2010 do evento, considerado o maior evento da odontologia mundial. Nesse ano, seria na China mas com o avanço da pandemia foi realizado de forma remota”, fala Rafael.

Além de submeter trabalhos para apresentação no evento, é possível também fazer a submissão para concorrer ao prêmio. Para Rafael, o maior valor é o reconhecimento. “Recebemos um prêmio, mas o mais importante é a visibilidade e a projeção que obtemos ao conquista-lo, já que pesquisadores do mundo inteiro passam a te reconhecer como pesquisador de ponta. Essa foi a primeira vez que fui premiado nesse evento mundial”.

O estudo

“Há um crescente interesse em relação ao uso do machine learning e da inteligência artificial para melhorar os serviços de saúde. Pensando na saúde pública, perguntei-me como poderíamos melhorar a identificação de pessoas que tenham maior risco para perda dentária ou desenvolvimento de outras doenças. Como poderíamos conseguir através de variáveis como renda, escolaridade, saber quem tem maior risco para o desenvolvimento da doença e, assim, poder dar uma resposta mais rápida do serviço para a população”, destaca Rafael.

O professor explica que ao saber antecipadamente que determinada comunidade ou pessoas de um determinado bairro ou região têm maior risco para a perda dentária, devido a vulnerabilidades, é possível fazer algumas ações de prevenção para evitar a perda. “Fiz um curso de machine learning e então elaborei esse projeto para aplicar o conhecimento aprendido nos bancos de dados de saúde bucal que já estão disponíveis”.

“Junto à Secretaria Estadual de Saúde temos um projeto de levantamento epidemiológico com dados que podemos usar para detectar indivíduos de maior risco por variáveis sociodemográficas. Então, pensei em usar um banco de dados representativo da população brasileira, como a Pesquisa Nacional de Saúde, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A pesquisa nos fornece dados de saúde no geral, incluindo dados sobre perdas de dentes, então foi só fazer o cruzamento dos dados e trabalhar o algoritmo para detectar as pessoas com maior risco de perda dentária”, detalha Rafael.

Visitas periódicas ao dentista podem evitar perda

Ele explicou que a partir disso, foi desenvolvido um protótipo de programa para detectar quem tem maior tendência para perda de dentes. “Com os professores da Faodo Danilo Mathias Zanello Guerisoli e Valéria Lacerda submetemos o projeto no Sigproj da UFMS e no edital universal da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia (Fundect-MS) para obter recursos a fim de implementar um laboratório de inteligência artificial para análise preditiva em saúde”, destaca o professor. O projeto foi aprovado em ambos editais.

“Agora, a ideia e conversar com os pesquisadores da Faculdade de Computação para podermos desenvolver uma ferramenta melhor, já que a ideia é implementar isso nas unidades de saúde para que elas possam identificar as pessoas e fazer o trabalho preventivo. Quem sabe podemos melhorar até o agendamento de pacientes, ou seja, começar o atendimento pelos que tenham maior risco de perda dos dentes. A ideia é que o software seja de fácil utilização”, fala Aiello.

Segundo o professor da Faodo, os sete preditores principais, ou seja, as variáveis que o algoritmo usa para chegar até os que têm mais risco e os que têm menos risco são: renda, escolaridade, raça autodeclarada, sexo, e comportamentos de saúde (visitas ao dentista nos dois últimos anos), fumo, uso de fio dental e idade. “Com base nisso, o algoritmo trabalha e detecta quem tem e quem não tem o risco. Como alguns algoritmos já são pré-definidos em alguns parâmetros, a gente treina eles naquela base de dados para que possam aprender com a própria base de dados. Por exemplo, os dados da pesquisa são separados em 75% para treinar o algoritmo e em 25% para o teste. Conseguimos 90% de eficácia, ou seja, em nove de cada dez tentativas, o algoritmo conseguiu classificar corretamente o indivíduo com alto e baixo risco para perda dentária, o que no nosso caso foi a falta de dentição funcional para adultos e perda dentária severa para idosos”.

“Como na vida, as coisas são mais complexas, vários fatores podem alterar o nosso comportamento. Por exemplo, o indivíduo pode ter alta escolaridade, mas estar desempregado ou sem renda. Ou não usa fio dental ou fuma ou não usa o serviço de saúde. Se misturarmos todas essas variáveis, o algoritmo trabalha quais são as mais importantes para classificar o indivíduo”, salientou. “Para os adultos, entre 18 a 59 anos, a idade foi um fator muito importante para classificar como alto risco para falta de dentição funcional”

Utilidade

Imagens podem ser analisadas para evitar futuras perdas

Rafael explica que, caso o software seja disponibilizado aos serviços de saúde, por exemplo, será possível identificar os usuários que se encaixam no perfil de alto risco e chamá-los para realizar um trabalho preventivo a fim de evitar a perda. Se já ocorreu a perda, é possível, ainda, fazer procedimentos para minimizar o dano, restabelecendo a função mastigatória, fazer uma prótese para melhor mastigar os alimentos, fazendo reabilitação protética e devolvendo função mastigatória para o indivíduo.

“Nossa ideia é montar um laboratório utilizando outras variáveis. No trabalho, classificamos perda dentária como dentição funcional, quando o indivíduo tem 20 ou mais dentes na boca, que proporcionam uma certa qualidade mastigatória. A partir disso, vamos trabalhar outras classificações de perda para vermos qual nosso nível de acurácia e, assim, estender essas análises para saber quais os indivíduos que tem possibilidade de perda de um, dois ou cinco dentes, por exemplo, quais os padrões, quais os que têm possibilidade de perda severa (tem menos de dez dentes na cavidade bucal)”, fala o professor.

Ele detalha que o grupo pretende fazer outras classificações, bem como treinar algoritmos e fazer com que o sistema detecte melhor, nos bancos epidemiológicos, quem são esses indivíduos e também usá-lo para detectar outras doenças. “Temos bancos em Mato Grosso do Sul que indicam as pessoas que tem cárie dentária não tratada, experiência de cárie, doença periodontal, sangramento de gengiva, ou seja, vamos expandir as análises. Fizemos uma análise geral e que funcionou. Também pretendemos ver, agora, qual a necessidade do serviço, o que ele precisa para fazermos a identificação antes e usar essas classificações para treinamento e para que sejam mais uteis”, salienta Aiello.

No laboratório a ideia também é trabalhar com imagens. “O professor Danilo, por exemplo, é endodontista e podemos usar as imagens por meio do deep learning e analisar se os dentes tratados tiveram sucesso ou não. Assim, por meio dos algoritmos podemos saber se determinado dente pode passar pelo tratamento, se isso seria viável ou se não vale a pena, pois, no futuro pode ser que acabe sendo extraído”, conta.

“Pensando em nosso sistema de saúde, o agente comunitário faz visitas às casas das pessoas, para cadastrá-las, portanto, tem acesso a algumas informações daquela casa, família, indivíduo. Com essas poucas informações captadas na visita, o agente já pode usar o software para ver se a pessoa já tem alto risco de perda dentária e propor que seja chamada para o tratamento, para que seja agendada consulta. Até quando estamos em uma área com vulnerabilidade e levar as pessoas para fazer um trabalho preventivo melhor, técnicas de restauração, agilizamos o atendimento, levando o serviço até as pessoas, por exemplo, fazendo um trabalho de tratamento restaurador atraumático, um tipo de tratamento simplificado, material bom e fazemos adequação da saúde bucal desse indivíduo para que ele tenha uma vida melhor”, finaliza.

 

Texto: Vanessa Amin