Discussões sobre Educação em tempo de pandemia mostram inquietudes e desafios do presente-futuro

Impostos repentinamente a todos os níveis de ensino e instituições educacionais, os desafios gerados à Educação durante a pandemia não só trouxeram repercussão factual, como mudarão definitivamente o ensinar e o aprender.

Essa e outras situações peculiares desse momento foram discutidas na noite de ontem (17) durante a Mesa redonda: Educação em Tempo de Pandemia, uma das atividades da Semana de Desenvolvimento Profissional da UFMS.

Com cerca de 300 participantes on-line e com a mediação da professora da Faculdade de Educação (Faed/UFMS) Raquel Elizabeth Saes Quiles Benin, a mesa redonda reuniu como palestrantes os professores e educadores Hélio Queiroz Daher, superintendente de Políticas Educacionais da Secretaria Estadual de Educação (SEE) e conselheiro presidente do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul; Waldir Leonel, superintendente de Gestão das Políticas Educacionais da Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande e representante do Conselho Municipal de Educação e a diretora da Faed, Milene Bartolomei Silva.

Professora Raquel Benin (Faed)

“A educação está sempre passando por transformações! A pandemia que vivemos hoje nos impactou em diversos sentidos: há um repensar sobre a vida e suas prioridades; as relações e as formas pelas quais as estabelecemos; o cuidado de si e do outro! Entendo que a educação faz parte deste processo e que não a conceberemos mais da mesma forma que antes. Nós, educadores, temos diante de nós um grande desafio. Não se trata apenas de “aprender” a usar as tecnologias digitais”, avalia a professora Raquel, mediadora do encontro.

Para a docente e para os palestrantes, o cenário atual aponta claramente quão grade são as desigualdades sociais e como sacrificam parte do alunado e também dos professores.

“Assim, nosso papel, como professores e formadores, é o de encontrar saídas para que todos/as os/as estudantes tenham acesso à uma educação de qualidade, em todos os níveis. Isso significa muito mais do que ensinar conteúdos. Trata-se de um profundo repensar sobre nossas formas de ensino e, principalmente, as formas de aprendizagem. Todos nós estamos vivendo um novo momento e espero que este tempo difícil nos traga reflexões importantes sobre a educação que temos e a educação que queremos!”, expõe Raquel.

Ações

Os palestrantes apontaram as ações tomadas em primeira mão para que os alunos – pelo menos a grande maioria, seja na rede de ensino municipal, estadual ou na Universidade, não fossem abandonados nesse momento inquietante para a educação.

Na Rede Estadual de Ensino foram adotadas uma série de ações após a suspensão das aulas em 23 de março. “Havia o entendimento que deveríamos dar continuidade ao processo de aprendizagem, por isso buscamos inicialmente uma atividade pedagógica complementar, já com a preocupação que um grupo de estudantes não conseguiria atender de forma on-line. Por isso, houve impressão de material entregue aos estudantes, já que grande parte dos estudantes tem conectividade com conta pré-paga, então não pode assistir uma aula transmitida pelo professor da sua escola”, explica o professor Hélio.

Ele também confirma que a pandemia fez aflorar ainda mais a desigualdade entre os estudantes da rede estadual de Educação, hoje com aproximadamente 210 mil alunos.

Professor Hélio Daher (SEE)

Levantamento feito pelo estado mostrou que 98% dos alunos estavam recebendo atividades das suas escolas, mas somente 80% conseguiam devolver. “Essa falta de possibilidade de devolver, poderia ser por falta de interesse ou por estarem desenvolvendo outras atividades, o que é comum, pois temos estudantes do ensino médio que em casa estão com afazeres domésticos ou ajudando os pais em seus trabalhos”, diz.

O estado firmou parceria com a Google para disponibilizar um ambiente on-line sem custo para os estudantes. Desde maio vem sendo transmitidas aulas pela TV Record e mais recentemente pela TV Educativa, que estão sendo gravadas por 180 professores voluntários.

Também foi deixado a cargo das escolas escolher qual ferramenta utilizar. “Estamos propondo uma série de cursos de formação para os professores, porque muitos não estavam preparados. Tivemos de correr atrás de equipamento e há vários relatos de alunos gravando vídeos ensinando os professores a usar as ferramentas, eles ajudaram muito as escolas. Também realizamos uma live semanal com diversos temas, formamos ouvidoria com o Ministério Público, e montamos uma comissão de volta as aulas”.

Segundo o superintende da SEE, percebesse-se nesse quinto mês que professores, estudantes, sociedade em geral estão cansados. “Estamos tentando manter uma rotina de estudo e aprendizagem para não perder o vínculo do estudante com o professor, para que o estudante volte com o mínimo de rotina estabelecida, de forma a passar por isso com o menor dano possível na aprendizagem. O ano não está perdido”, aposta.

O professor Hélio lembra que o retorno tem de ser cauteloso, porque causa um impacto muito grande. Somente em Campo Grande, o retorno das aulas na rede estadual colocaria em circulação cerca de 80 mil pessoas, entre alunos, servidores e familiares.

Professor Waldir Leonel (Reme)

Na Rede Municipal de Ensino, os esforços se somam aos do estado. O professor Waldir explica que também há atividades remotas, sejam por plataforma ou aplicativo que ficaram à escolha das escolas.

“Foram elaborados cadernos e foi feita uma ampla pesquisa com diretor, diretor adjunto, equipe técnica pedagógica e professores. No Ensino Fundamental, 89,12% dos cadernos foram preenchidos e devolvidos, na Educação Infantil foram 85,74%, na Educação de Jovens e Adultos 56%,  e  no Ensino Médio – relativo a uma escola agrícola – 96,58%, números que nos deixaram felizes”, afirma.

As escolas estão trabalhando com 26 tipos de plataformas e aplicativos, sendo o WhatsApp o mais usado (80,6%), seguido do Facebook e da Tv Reme. Também foi disponibilizado um aplicativo para Rádio e TV Reme.

“Também oferecemos um programa de formação para os professores, com lives e cursos através do Youtube. Estamos analisando a questão socioemocional dos professores na pandemia, realizando avaliação diagnóstica. Essa pandemia mostrou todas as desigualdades e os problemas enfrentados na educação que já existiam e uma coisa é certa: a educação secular não vai existir mais. Não há mais como proibir, por exemplo, o uso do celular em sala de aula. Faremos uma reformulação para ver o que ficou em 2020 e que precisa ser retomado em 2021”, relata o superintendente da Reme.

Universidade

Não muito diferente, a Universidade também precisou se reinventar em velocidade acelerada. “Foi preciso se adaptar muito rapidamente e aí vieram  inquietações quanto as questões técnicas, preocupação se os estudantes iriam acessar o material, sobre participação deles na aula, pois o engajamento é importante para sabermos se estão entendendo, se conseguem fazer as atividades em casa, além de outros dilema impostos como as dificuldades iniciais enfrentadas pelos professores, os riscos de precarização, como acolher os ingressantes e pensar no retorno,”, afirma a diretora da Faed.

Professora Milene Silva (Faed)

Para a diretora, o custo de uma paralisação das atividades seria a interrupção do processo de aprendizagem e a Universidade não poderia desistir de seus alunos. Caso não estivesse atuando de forma remota, poderia até haver aumento de desistência. Ela enfatiza que houve preocupação com os alunos vulneráveis e buscou-se por meio de editais atender esse público.

“Quando acabar essa pandemia, devemos regressar no ponto de ressignificação da instituição educacional, de um processo de construção de um bem comum e público, com renovação das nossas praticas pedagógicas. Há necessidade de avaliar os problemas políticos, econômicos, estruturais, pedagógicos. Como vai ser o acolhimento aos nossos acadêmicos? Será que os alunos fizeram tudo o que foi proposto nesse momento de pandemia? O que aprenderam nesse período de atividade remota e o que aprenderam com relação a formação deles enquanto professores?”, são questionamentos levantados pela professora Milene.

Será preciso reprogramar o currículo da formação dos professores, segundo a diretora da Faed. “Vimos docentes muito reticentes quanto ao uso de novas tecnologias e que hoje estão tendo posturas mais abertas, enxergando possibilidades positivas de mudança, há uma postura diferenciada de nossos professores. Precisamos inovar, com metodologias diferenciadas, porque o aluno não será o mesmo, há outras necessidades, novas perspectivas de aprendizagem, que irão entrar em choque com as formas tradicionais de ensino”, completa.

As atividades da Semana são abertas para toda a comunidade acadêmica e externa. A programação segue disponível até sexta-feira, 21, com palestras, oficinas, minicursos e workshops. Para mais informações sobre o cronograma do evento ou inscrições, acesse o site: http://sedep.ufms.br/.

Texto: Paula Pimenta