Professor coordena pesquisa sobre satisfação do consumidor como horizonte do trabalho em Campo Grande

Você foi bem atendido?: a satisfação do consumidor como horizonte do trabalho em Campo Grande (MS) é o título do projeto de pesquisa coordenado pelo professor da Faculdade de Ciências Humanas (Fach) Ricardo Luiz Cruz. “Estes estudos focalizaram distintos sujeitos sociais que vivem e trabalham em Campo Grande, como professores, feirantes, costureiras, migrantes e motoristas de aplicativos, além de diferentes espaços locais, como feiras, escolas, bares e restaurantes”, explica Ricardo.

Segundo ele, o que motivou a pesquisa foi o interesse em entender, com base em uma perspectiva sociológica e antropológica, as condições sociais da emergência de novas formas de julgamento ou avaliação do trabalho na capital. “Não raro, depois de pagarmos nossos medicamentos numa farmácia ou comprarmos uma roupa numa loja, por exemplo, somos convidados a avaliar nossa satisfação diante dos serviços prestados”, fala.

O professor complementa ainda que “de maneira ainda mais frequente, após uma viagem conduzida por um motorista de aplicativo ou o recebimento de uma comida pelo sistema de delivery, nos vemos diante de um questionamento em relação ao nosso contentamento para com essas experiências”. De acordo com Ricardo, até mesmo nas interações de caráter mais informal, é comum se deparar com a pergunta de um colega sobre a avaliação de uma aula ou de um restaurante qualquer, com a dúvida do gerente de um estabelecimento comercial em saber se o cliente foi bem tratado ou com a interrogação dos familiares de cada um a respeito de uma consulta médica realizada, por exemplo.

“Situações como essas apontam para o lugar de destaque que o ‘prazer do consumidor’ assumiu no modo de avaliarmos os mais variados ofícios”, ressalta o coordenador do estudo. “Como pensar a difusão dessas formas de julgar o exercício do trabalho baseadas em critérios que remetem ao que seria o prazer do consumidor, isto é, ao quanto ele é capaz de satisfazer as vontades das pessoas situadas nessa posição?”, questiona Ricardo.

O professor relata que, durante as pesquisas e por meio de um diálogo com outros estudos realizados sobre o tema, pôde-se perceber que essa difusão se relaciona, entre outras coisas, com a valorização do trabalho que seja capaz de naturalizar ou ocultar as relações de violência em torno da atividade, na medida em que essa naturalização ou ocultamento produza algum tipo de gozo. “Assédios morais, negação de direitos, segregações, discriminações e ofensas à dignidade da pessoa, por exemplo, passam a ser vistos como normais ou ocultados, frente ao imperativo de ter que satisfazer alguém na posição de consumidor de um produto ou serviço”, revela.

“Professores se veem coagidos a silenciar-se diante dos abusos cotidianos que sofrem de seus estudantes, chefes ou empregadores, dado que as avaliações de seus desempenhos levam em conta a sua capacidade de agradar essas pessoas. Os motoristas de aplicativos, que são julgados através das opiniões virtuais de seus clientes, acabam tendo que esconder seus desconfortos com o tratamento que recebem dos últimos. Costureiras aceitam prazos curtos e remunerações baixas para manter a fidelidade de quem utiliza os seus serviços. Trabalhadores da área de lazer, de uma maneira mais geral, têm de manter ocultas suas dores para produzir um ambiente onde vigore a satisfação”, exemplifica Ricardo.

O pesquisador da Fach lembra que Campo Grande é uma das cidades onde é possível encontrar umas das maiores taxas de suicídio e depressão entre todas as capitais do Brasil e que esses fenômenos envolvem as mais variadas condições psíquicas, fisiológicas e sociais. Ricardo acredita que isso pode apontar para uma situação mais geral de sofrimento vivida pela população local. “Uma maneira de transformarmos esse quadro social, é tomarmos consciência das relações aparentemente ocultas que permitem a sua reprodução. Perceber que o que nos satisfaz é capaz de fazer o outro sofrer ou de estar ligado ao seu sofrimento, pode nos ajudar a encontrar um modo de vida mais afim com nossa humanidade em comum, colocando num segundo plano nossa atual compulsão em obter algum tipo de satisfação”, avalia.

Os estudos começaram em 2018 e devem ser concluídos no final deste ano. “O projeto tem contado com a participação de estudantes de graduação de Ciências Sociais e de pós-graduação em Antropologia Social e já envolveu a produção de artigos em livros e revistas científicas, dissertações de mestrado, trabalhos de conclusão de curso de graduação, pesquisas de iniciação científica e comunicações em congressos científicos locais e nacionais”, finaliza.

Texto e fotos: Vanessa Amin