Pesquisas com economia circular propõem reaproveitamento de resíduos

Enxergar a produção de forma regenerativa é a proposta da economia circular que seduz cada vez mais pessoas e mercados diante da escassez crescente de recursos naturais renováveis.

Nessa linha, o professor da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia (Faeng) e do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais (PGRN) Alexandre Meira de Vasconcelos coordena pesquisas que reaproveitam resíduos com fins de desenvolvimento de novos produtos ou incremento de outros existentes.

Na economia circular o resíduo entra de novo na cadeia produtiva e é reaproveitado de alguma forma, enquanto na produção linear extrai-se da natureza, produz, consome e joga fora.

“É uma tendência mundial, começou com mais força na Europa, a partir de 2014, quando se descobriu que era necessário mudar os modelos de negócios, desmaterializar produtos e processos, uma vez que os recursos naturais estão mais escassos e o acesso a eles mais difícil”, explica Alexandre.

A grande motivação da economia circular é ter o viés econômico além do ambiental, tornando-a atrativa ao meio empresarial, mas com impacto positivo na preservação do meio ambiente. “Já há cidades na China que utilizam basicamente carros elétricos, o que tem impacto superpositivo no meio ambiente porque a energia elétrica é renovável e o combustível fóssil é deixado de lado. Essa tendência da economia circular vai significar um divisor de água do ponto de vista geopolítico e econômico”, diz.

Borra de café como fertilizante

Uma das propostas de reutilização é o caso de uso popular da borra de café como insumo na produção. A pesquisa “Aproveitamento da borra de café como fertilizante agrícola”, coordenada pelo professor Alexandre, foi realizada com alunos da graduação de Engenharia de Produção da UFMS, Cintia Satie Fudo e Otávio Augusto Oliveira Marangoni, e teve a parceria de pesquisadores do Mestrado em Produção Gestão Agroindustrial Anhanguera-Uniderp, coordenado pela professora Denise Pedrinho e com a participação das pesquisadoras Bianca Obes Corrêa, Rosemary Matias e Silvia Rahe Pereira.

“Eles estavam desenvolvendo um trabalho relacionado ao plantio de alface e a mim interessava o aproveitamento de resíduos. Uma recomendação popular é usar a borra de café como fertilizante nas plantas, por isso, fomos experimentar a borra de café nos pés de alface”, explica o professor Alexandre.

Os pesquisadores queriam descobrir se havia alguma influência no comprimento radicular (raiz da planta), na germinação e no crescimento. Desenvolveu-se então esse trabalho com a alface nos laboratórios da Anhanguera e a análise estatística foi feita na UFMS.

O resultado apontou que dependendo da concentração da borra de café no substrato de plantio, havia sim alteração principalmente no tempo da germinação e no crescimento das plantas. Os pesquisadores não chegaram a verificar se havia alteração nas características físico-químicas, nem em sabor.

“Existiria ganho mesmo se essa borra de café tivesse uma influência zero nas variáveis estudadas, pois o resíduo da borra deixaria de ser jogado no lixo, onde vira chorume e contamina o solo”, completa o coordenador.

A borra de café foi coletada de 15 estabelecimentos comerciais que comercializam o produto no centro de Campo Grande, entre eles bares, restaurantes, lanchonetes, cafeterias e conveniências. “Queríamos ter uma ideia de qual era a perspectiva também de uma coleta seletiva desse material”.

Foram trabalhados exemplares com nenhuma adição de borra de café (grupo controle) e os demais com concentrações de 2,5%, 7,5%, 15% e 30% no substrato. Os pesquisadores fizeram uma primeira extração, adicionaram água, e depois realizaram uma segunda extração.

O tempo de germinação foi mais curto no grupo controle, porém, o tempo médio baixou na utilização da segunda extração, com material mais diluído. Comportamento melhor apareceu no comprimento do broto, quando houve uma concentração de 2,5%, relativamente baixa. “Mas mesmo que não houvesse qualquer efeito sobre as variáveis, já seria uma vantagem de não fazer mal a planta. Já o crescimento da raiz foi melhor na concentração de 7,5%”, aponta o professor.

No geral, as baixas concentrações foram melhores, segundo Alexandre, porque a alta concentração acaba criando uma alteração muito maior no solo.

 Uso da biomassa

O mestrando Carlos Eduardo Borges Junior, do PGRN, estudou o uso de biomassa da agricultura familiar para geração de energia elétrica, por meio de biogás.

O estudo foi feito no Assentamento Jiboia, em Sidrolândia, utilizando como biomassa resíduos de evisceração de animais, dejetos de animais em geral (cama de frango, de pocilga e de gado confinado), resíduos orgânicos e esgoto residencial. “A proposta era mensurar essa biomassa, mensurar o potencial de energia e escolher o biodigestor mais adequado para esse local”.

Carlos Eduardo identificou que o melhor, em todos os cenários, para o Assentamento Jiboia seria utilizar modelo de biodigestor canadense, de forma a gerar energia para o próprio assentamento ou para algum equipamento público no local como em escola, na cozinha industrial ou na associação de moradores.

O trabalho apontou ainda quanto de ganho haveria do ponto de vista ambiental com a utilização dessa biomassa. A estimativa é de que o Assentamento, com 238 famílias, teria uma biomassa suficiente para produzir mais de 400 mil metros cúbicos por ano e gerar em torno de 600 megawatts/ano, deixando de emitir mais de 50 mil de toneladas de CO2 anuais.

O cálculo de emissão de CO2 envolve também o impacto sobre a natureza desses dejetos. “Em pequenas propriedades, por exemplo, é comum, após o abate dos animais, quando há sobra de vísceras, o pessoal enterrar, o que contamina solo e traz impactos negativos”, completa Alexandre.

Como é um projeto de alcance social, para implantação do biodigestor o Assentamento precisaria de interferência de políticas públicas, segundo o coordenador. “Não dá para dizer que os proprietários sozinhos irão conseguir fazer porque, além da geração de energia, tem a questão de distribuição de energia. Se você tem um biodigestor centralizado no Assentamento, é preciso ter fiação e poste para distribuir”.

Paula Pimenta