Foto: Carina Vogel

Pesquisadores de 26 instituições apontam preocupação com ecossistemas de água doce na região Neotropical

Proteger a vegetação ribeirinha ao redor dos córregos é vital para reduzir os efeitos prejudiciais das mudanças ambientais nos ecossistemas de água doce e para manter a biodiversidade aquática.

Essa é uma das afirmativas de 50 pesquisadores de 26 instituições de pesquisa de todo o mundo, entre elas a UFMS, por meio dos professores Fabio Roque e Franco L. Souza, do Programa de Pós-graduação e Ecologia e Conservação, o pós-doc Francisco Valente-Neto e o professor Laysson Albuquerque, do Laboratório de Inteligência Artificial, Eletrônica de Potência e Sistemas Digitais, que publicaram recentemente artigo no renomado periódico  Journal  of  Applied  Ecology.

Amazônia – Foto: Inpa

O artigo “Limiares da biodiversidade de água doce em resposta à perda de vegetação ripária na região neotropical” aborda questões de uma das mais ricas regiões do mundo no ambientes de água doce – a Neotropical.

Para os pesquisadores, identificar limiares ecológicos é útil para definir limites regulatórios e orientar o gerenciamento de zonas ribeirinhas em direção à conservação da biota de água doce.

“Utilizando dados nacionais de peixes e invertebrados que ocorrem em pequenos riachos brasileiros, estimamos limiares de perda de vegetação nativa nos quais há mudanças bruscas na ocorrência e abundância de bioindicadores de água doce e testamos se há respostas congruentes entre diferentes biomas, grupos biológicos e tampão ripícola tamanhos”, explicam.

Os cientistas alertam que agricultura, pecuária e urbanização, embora sejam essenciais, estão entre os usos do solo que têm empurrado os ecossistemas aquáticos em direção ao colapso.

“Isso significa   comprometer serviços ecossistêmicos vitais fornecidos pelos ambientes de água doce, como o controle de enxurradas e de doenças, a purificação da água e o fornecimento de alimento. Quando isso ocorre, uma parte significante da biodiversidade é perdida”, afirmam.

Para obter os dados, os pesquisadores realizaram anos de trabalho, coleta, identificação e organização das informações sobre os ecossistemas aquáticos brasileiros, em uma iniciativa para aumentar a colaboração dos pesquisadores brasileiros em distintas  áreas  –  o  Instituto  Nacional  de  Ciência  e  Tecnologia  (INCT),  financiado  pelo Governo Federal (CNPq) e Estadual de Goiás (FAPEG). “Especificamente, o INCT-EECBio, é voltado a fomentar grupos de pesquisa que ajudem a solucionar problemas da conservação da biodiversidade”, explica José Alexandre F. Diniz Filho, professor da Universidade Federal   de   Goiás   e   coordenador   do   INCT-EECBio.

O pesquisador do Pós-Doutorado na Universidade Federal de Goiás Renato B. Dala-Corte enfatiza que esta é a primeira vez que questões envolvendo o efeito da degradação ripária sobre a biodiversidade aquática são investigadas com uma grande quantidade de dados, para distintos biomas.

“Nós já sabíamos com base em outros estudos que proteger a vegetação ripária é a chave para manter os ecossistemas de água doce saudáveis e para proteger a biodiversidade. O que nós não sabíamos é se existiam padrões consistentes ao longo de grandes regiões e se nós poderíamos recomendar um tamanho único de  reserva  ripária  que  maximizasse  a  proteção  da  biodiversidade  ao  mesmo  tempo  que permitisse a adoção das práticas comuns de uso do solo no restante da paisagem”, relata Renato.

Os autores utilizaram imagens de satélite para detectar as mudanças no entorno dos riachos, combinadas com uma abordagem de estimar pontos abruptos de alterações da biota (limiares) baseados  em  indicadores  biológicos.  “Esses limiares ocorrem quando vários indicadores biológicos respondem de forma similar a uma certa quantidade de perda de vegetação ripária”, complementa Renato B. Dala-Corte.

Os limiares médios de perda de cobertura da vegetação nativa variaram amplamente entre biomas, tamanhos de tampões e grupos biológicos: flutuando de 0,5% a 77,4% para peixes, de 2,9% a 37,0% para invertebrados aquáticos e de 3,8% a 43,2% para um subconjunto de invertebrados aquáticos

Proteção

Diante dos fatos, muitos países tem adotado a estratégia de proteger faixas de vegetação nativa no entorno de riachos, rios e lagos, abrangendo as zonas de vegetação ripária ou ciliar.

Pampa – Foto: Fernando Gertum Becker

“O estudo sugere que não existe um valor único de largura de vegetação ripária que pode garantir que os ecossistemas aquáticos não irão sofrer mudanças abruptas de biodiversidade devido às pressões de uso do solo. Esse resultado tem implicações diretas sobre o manejo de reservas ripárias, porque as regulamentações e leis implementadas nos distintos países usam um único tamanho para limitar o uso do solo em escala nacional, sem levar em consideração particularidades regionais ou de atividade antrópica.  Além disso, as reservas ripárias são geralmente pequenas demais”, explica Dala-Corte.

“Para o Brasil, um país de escala continental, faz sentido que um tamanho único não sirva para tudo, o que sugere que muitos ecossistemas aquáticos no país estejam próximos ou já tenham ultrapassado os limiares que levam a perdas abruptas de espécies”, ele conclui.

Quanto maior for as reservas ripárias, menor é o risco de ultrapassar os limiares que levam a declínios abruptos de biodiversidade aquática, de acordo com os cientistas.

“Dentro do menor tamanho ripário avaliado (50 metros), a perda de apenas 6,5% de vegetação nativa ripária, em média, já foi suficiente para alcançar declínios acentuados de invertebrados aquáticos. Na Amazônia, esse valor foi de apenas 2,9%. Quando um tamanho ripário maior foi avaliado (500 metros) uma porcentagem quatro vezes maior de perda de vegetação nativa foi necessária para ultrapassar os limiares. Um padrão semelhante foi observado para peixes”, apresentam.

Os cientistas afirmam que a sensibilidade às mudanças na faixa ripária aumenta à medida que se aproxima dos riachos e que quase qualquer alteração na área de 50 metros no entorno dos riachos já é suficiente para desencadear grandes mudanças na biodiversidade aquática.

No Brasil, as faixas de proteção estão a cargo das Áreas de Preservação Permanente (APPs), implementadas em áreas particulares e públicas, mas, que pela sua extensão, não atendem mais as necessidades de proteção da biodiversidade local.

“O Brasil já tem uma lei ambiental (Lei nº 12.651/2012) que obriga a proteção de APPs de 30 metros de largura no entorno de riachos pequenos, tanto para propriedades privadas quanto públicas, o que é positivo. Contudo, nosso estudo sugere que 30 metros é menor do que o mínimo necessário para reduzir o risco de ultrapassar os limiares de perda de biodiversidade”, afirma o professor Fábio Roque.

Cerrado – Foto: Frederico Salles

Para concluir, os autores afirmam que “os indicadores biológicos mais sensíveis podem ser usados como sinais precoces que alertam o risco de aproximação de mudanças abruptas nos ecossistemas aquáticos.  O estudo indica ainda a necessidade de políticas adicionais para a proteção de grandes reservas ripárias na região Neotropical, as quais devem considerar o contexto regional na formulação dos regulamentos e promover incentivos aos proprietários de terras particulares para conservarem largas áreas ripárias”, concluem.

Acesse aqui o artigo.

Texto: Paula Pimenta