Pesquisador mapeia redes de economia criativa e solidária em Campo Grande

De acordo com as últimas estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), as indústrias criativas e culturais geravam uma renda anual 2,250 bilhões de dólares para a economia global e empregavam quase 30 milhões de pessoas em todo o planeta, antes da pandemia. No Brasil, com base em informações divulgadas pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, o setor empregava 837,2 mil pessoas e era responsável por 2,62% do Produto Interno Bruto. A Economia Criativa está ligada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: especificamente ao 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes –, e em perspectiva transversal, ao 8 – Empregos dignos e crescimento econômico –; ao 10 – Redução das Desigualdades – e ao 12 – Consumo Responsável; nos quais as Nações Unidas vêm contribuindo para que seja possível atingir a Agenda 2030 no Brasil.

“A cultura é a flor do ser humano – o fruto de nossas mentes, o produto de nossas tradições, a expressão de nossos anseios. Sua diversidade é maravilhosa, parte do rico entrelaço da civilização. A cultura também é uma potência – um empregador de milhões, um motor do progresso econômico, uma força de coesão social. O Dia Mundial da Diversidade Cultural reconhece esse grande poder. O mesmo acontece com a proclamação de 2021 como o Ano Internacional da Economia Criativa para o Desenvolvimento Sustentável”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres. Porém, segundo Guterres, o setor cultural foi abalado pela pandemia de Covid-19, que provocou o fechamento de museus, salas de música, teatros, locais turísticos e deixou de lado diversas atividades culturais. “À medida que as vacinas geram esperança, o mundo deve garantir que os pacotes de recuperação da pandemia atendam às necessidades de as instituições culturais, das artes e de todos aqueles que fazem parte do mundo criativo. As sociedades hoje são multiétnicas, multirreligiosas e multiculturais. Isso é uma riqueza, não uma ameaça. Mas precisamos garantir que cada comunidade sinta que sua identidade – sua cultura – está sendo respeitada. Vamos todos apoiar a cultura e seu poder de promover o diálogo e o desenvolvimento para o benefício de todos”, ressaltou em seu discurso veiculado em maio nas redes da ONU.

Em Campo Grande, projeto de pesquisa do doutorando em Administração pela Escola de Administração e Negócios (Esan) da UFMS, Adriano Pereira de Castro Pacheco tem contribuído para o fortalecimento do setor da economia criativa e solidária. “A Economia Criativa tem sido apresentada como a estratégia de desenvolvimento mais significativa da última década. Sabe-se que ela compreende setores cuja origem da geração de valor econômico está na criatividade, no conhecimento e no talento individual e coletivo que possuem potencial para criação de riqueza e empregos por meio da geração e exploração de ativos criativos, em particular nos aspectos simbólicas da produção cultural local e regional. Nesse contexto, o projeto Redes Híbridas de Cultura: cartografia relacional da economia criativa e solidária em Campo Grande, teve como objetivo mapear a constituição de redes de economia criativa e de economia solidária a partir dos arranjos constituídos entre setor público, iniciativa privada e, sobretudo, com os grupos artísticos e empreendedores dos diferentes setores da economia criativa em Campo Grande”, explica Adriano.

De acordo com o doutorando, o trabalho resultou em um relatório técnico lançado no portal e-Criativo Plataforma de Documentação e Memória (www.portalecriativo.com.br), constitui parte da sua pesquisa desenvolvida no projeto guarda-chuva sobre Economia solidária no estado de Mato Grosso do Sul: configurações, desenvolvimento e perspectivas, coordenado pelo professor da Esan Élcio Gustavo Benini. Élcio orienta Adriano e avalia que ele está fazendo uma excelente articulação entre a economia solidária e a economia criativa inovadora. “Há um potencial de simbiose pouco explorado entre as possibilidades oriundas da economia solidária e a chamada economia criativa, esta alicerçada na (re)produção da riqueza, material e simbólica, que a diversidade cultural brasileira permite. Explorar, no sentido positivo de produzir e consumir, a nossa cultura, de forma empreendedora e coletiva, aponta não apenas para a solução dos problemas mais imediatos da vida social, mas para um projeto social de longo alcance, para o qual o trabalho associado e a realidade local e cultural tornam-se fatores estruturantes. É aqui que encontra a relevância do relatório apresentado por Adriano”, diz Élcio.

Durante os meses de janeiro à abril de 2021, Adriano realizou levantamento bibliográfico, documental, entrevistas, análise de dados e a sistematização e disponibilização dos resultados da pesquisa na plataforma web com acesso gratuito. “Foram quase 70 iniciativas mapeadas e estudas em Campo Grande, que atuam em pelo menos um dos setores da economia criativa e/ou solidária”, fala. “Trata-se de uma importante e inédita iniciativa de preservação da memória, do mapeamento e registro das inúmeras relações entre os empreendimentos que constituem a cultura de Campo Grande, com seus mais variados setores e dinâmicas econômicas a partir de arranjos fundamentados em produções simbólicas materiais e imateriais, que servirão de supedâneo para a construção de políticas públicas futuras”, ressalta o pesquisador.

“A proposta lança luz à aspectos pouco explorados na academia, notadamente quanto à dimensão simbólica e substantiva das iniciativas que constituem a cultura de Campo Grande”. A gastronomia local/regional, o artesanato, o patrimônio material e imaterial, os festejos etc. são setores cujas iniciativas estão completamente embebidas de contextos simbólicos, de tradições e identidades atreladas ao pantanal, ao homem do campo, aos territórios rurais e à própria história do estado de Mato Grosso do Sul”, comenta Adriano. O projeto foi um dos selecionados no edital Morena Cultura e Cidadania, por meio da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Além

Alguns dados

De acordo com dados do relatório, a maioria das iniciativas participantes atuam no setor da música (19,7%), depois aparece o teatro (11,3%), livros/literatura (9,9%) e a moda (8,5%). Sobre o grau de escolaridade dos profissionais envolvidos, 39,4% responderam que a equipe seria composta, em sua maioria, por pessoas com nível superior completo.

“O que se percebe é que a economia criativa e solidária ainda é predominantemente constituída de grupos informais, o que pode ter relação com a complexa organização legislativa e tributária à que os empreendimentos estariam sujeitos caso fossem, em sua maioria, normalmente constituídos. De todo modo, destaca-se ainda a predominância dos microempreendedores individuais atuantes nos setores culturais, seguidos das organizações da sociedade civil e das microempresas”, aponta Adriano em relação à composição jurídica das iniciativas.

Já em relação à organização do trabalho, a maior parte das iniciativas possuem até duas pessoas formalmente contratadas (via registro em carteira de trabalho, microempreendedores individuais, entre outros). Ainda, segundo Adriano, a maior a maior parte das iniciativas declararam ter até 10 pessoas como público-alvo direto e outras declaram atender até 50 pessoas diretamente. “Chama atenção a dimensão do público indireto das iniciativas, que para muitas delas superam 500 pessoas”, fala.

Sobre o principal tipo de atividade, a maioria declarou atuar em ações de formação (cursos, oficinas, entre outros) e realização de espetáculos/apresentações. Em seguida, aparecem produção e comercialização de produtos, prestação de serviços, feiras e eventos.

O relatório também aponta que, em relação à organização e atuação em redes criativas e solidárias, as iniciativas participam, principalmente, de redes de pontos de cultura (26,7%), de produção (22%) e de comercialização (20%). “A organização em rede tem se revelado estratégica para empreendimentos inseridos nos setores criativos e solidários, tendo em vista que essa articulação fortalece a atuação desses projetos, seja no acesso ao mercado, seja nos processos produtivos, seja na promoção, difusão e criação de políticas públicas para o setor”, comenta Adriano.

Outro dado importante do relatório é que 87,9% dos participantes declararam que a iniciativa possui relação com o contexto: história, tradições, comunidades. “Isso sinaliza a presença e influências da dimensão simbólica na ‘constituição da economia criativa da cidade de Campo Grande”, conta.

Iniciativa na UFMS

Além de integrar a etapa de investigação do campo empírico da pesquisa de doutorado, no mapeamento realizado por Adriano, especialmente, no capítulo intitulado A imaginação move a cidade, ele faz um levantamento das iniciativas que contribuem institucionalmente para os setores da economia criativa e solidária, bem como, no processo de construção de políticas públicas. “Nesse capítulo, faço uma exposição da Incubadora de Cooperativas Populares da UFMS e do Mercado Escola, como uma iniciativa estratégica para o fortalecimento de outros projetos/organizações que estão inseridas nos setores da economia criativa, solidária e da agricultura familiar”, conta.

A Incubadora presta serviços para o desenvolvimento de comunidades integradas por assentamentos, quilombolas, aldeias e pequenos produtores. Entre as atividades está a organização da cadeia produtiva na agricultura familiar. Atualmente, uma das ações relacionadas à Incubadora é a realização da Feirinha Agroecológica em Campo Grande, que proporciona a comercialização de produtos orgânicos, artesanatos, de alimentação, plantas não convencionais, ervas medicinais, entre outros por 29 expositores. Enquanto durar a pandemia, a Feira acontece em sistema drive-thru, semanalmente, às sextas-feiras, pela manhã.

Futuramente, os produtores e expositores contarão com o Mercado Escola que está sendo construído na Cidade Universitária. ““O Mercado Escola é estratégico para o agronegócio nosso estado e a UFMS está contribuindo com esse projeto para fortalecer as cooperativas dos pequenos produtores”, diz o reitor Marcelo Turine. Segundo ele, a parceria com a bancada federal, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Fapec vai permitir que seja modelo de referência para assistência técnica e comercialização para pequenos produtores do Brasil.

Além da Incubadora, Adriano também fala com mais detalhes sore as iniciativas: Faixa Paraguaia: tecendo a nossa história; Eco linhas; República das Arteiras; Vitrini do Mato; e Evoé: hitória do teatro em Campo Grande. “Para a produção do relatório, não foi possível investigar a totalidade das iniciativas que enriquecem a cidade, com seus múltiplos arranjos, relacionamentos, fazeres e sentidos. Mas consegui apresentar algumas iniciativas que enriquecem Campo Grande no contexto social, cultural e econômico, iluminando os caminhos para se pensar a “capital morena” como uma Cidade Criativa”, ressalta.

Texto: Vanessa Amin

Fotografias: Vanessa Amin/Adriano Castro/Projeto Faixa Paraguaia/Leandro Benites