Pesquisa sobre Zika vírus avalia fatores de risco em gestantes e crianças

Em abril de 2015, autoridades do sistema de saúde do Brasil identificaram pela primeira vez a transmissão do vírus Zika, na região Nordeste do país. A doença é transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti. Os principais sintomas são febre não muito alta, erupções cutâneas, dores de cabeça e nas articulações, dores musculares, mal-estar e conjuntivite não purulenta, que costumam aparecer entre dois a sete dias após o contato com o mosquito vetor.

Meses depois da confirmação do Zika em solo brasileiro, a doença passou a ser identificada com maior incidência nas regiões Norte e Nordeste, e embora tenha tido impacto em todos os estados, a desigualdade social se tornou um dos principais marcadores de complicações da doença. Mulheres que contraíram o vírus durante a gestação, viram nascer bebês com graves questões neurológicas, oriundas do desenvolvimento cerebral atípico.

Em novembro do mesmo ano, o Ministério da Saúde confirmou publicamente que a epidemia de microcefalia tinha relação direta com o Zika, após analise de estudos e pesquisas na área.  Apenas em maio de 2017, foi declarado o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, que anuncia o fim da epidemia viral. Porém, mesmo com o fim declarado oficialmente por órgãos de saúde, as chamadas “mães do mosquito”, como ficaram conhecidas as mulheres que viram nascer seus filhos com a Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZ), precisaram buscar auxílio e apoio médico para as crianças, ainda que a epidemia não estivesse mais nos noticiários e o aporte financeiro destinado para a emergência sanitária tivesse sido cortado.

Na UFMS, pesquisadores se empenharam em analisar o perfil clínico da SCZ, buscando identificar as principais demandas de saúde das crianças que nasceram com a doença no Estado. O professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina, Everton Falcão de Oliveira, que coordena o projeto de pesquisa Zika vírus em Mato Grosso do Sul: avaliação de desfechos e fatores de risco em gestantes e crianças, explica que o levantamento começou em 2018, atendendo crianças que nasceram entre 2015 e 2018.

“Durante a coleta de dados, foi identificada a necessidade de criação de um projeto de extensão atrelado ao projeto de pesquisa, uma vez que constamos que algumas crianças com a SCZ não estavam recebendo atendimentos de reabilitação, que são essenciais para crianças com esse diagnóstico”, justifica o coordenador.

Assim que a necessidade foi identificada, o coordenador e os professores de fisioterapia Daniele de Almeida Soares Marangoni e Fernando Pieretti Ferrari, e a professora de psicologia Alexandra Ayach Anache, decidiram atender as crianças e suas mães na Clínica Escola Integrada, na Cidade Universitária.

No projeto de extensão, sete famílias receberam atendimento multidisciplinar. As crianças fizeram fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e receberam acompanhamento nutricional, já as mães tiveram a possibilidade de fazer psicoterapia.

Os atendimentos de reabilitação duraram cerca de um ano, e precisaram ser interrompidos na pandemia da Covid-19, mas o projeto de pesquisa continuou, em busca de respostas para uma doença considerada recente. Além das crianças que apresentaram SCZ, os pesquisadores também analisaram aquelas que nasceram clinicamente sem sequelas, mesmo após as mães relatarem que tiveram a febre aguda do Zika durante a gestação.

“Esses dados são importantes porque trata-se de uma doença nova em nosso meio, e seus efeitos a longo prazo são desconhecidos, seja em adultos ou em crianças que foram expostas ao vírus durante a gestação. Por isso, é essencial a continuidade deste e de outros estudos sobre a temática”, afirma o professor.

Visibilidade e questões socioeconômicas

O professor Everton afirma que o estudo desenvolvido na Instituição possibilitou que crianças com anomalias congênitas, de maneira geral, tivessem suas necessidades mais visibilizadas para a comunidade. “A epidemia do Zika vírus e da microcefalia trouxe ao debate público uma demanda que sempre existiu, mas que historicamente tem sido negligenciada: crianças com anomalias congênitas e necessidades especiais e suas famílias, com destaque para as questões sociais e econômicas, que são fortemente associadas com o processo saúde-doença”.

Durante todo o processo de envolvimento com as famílias, os pesquisadores fizeram questão de prestar todo o acompanhamento necessário, chegando até mesmo a ir atrás de auxílios governamentais a que tinham direito. “A médica neuropediatra da nossa equipe, Maria Eulina Quilião, elaborou e emitiu toda a documentação necessária para a aquisição dos benefícios previstos em lei”, explica o coordenador do projeto.

O pesquisador ressalta que não foram apenas as crianças vítimas da SCZ as prejudicadas, por trás do crescimento e desenvolvimento infantil, deve-se ter em mente que as principais cuidadoras envolvidas são as mulheres da família, como mães, avós e tias. A professora do Departamento de Saúde Global e População, da Escola de Saúde Pública de Harvard, Márcia Castro, aborda essa questão em seus estudos e entrevistas. As mulheres e as crianças enfrentam sérias dificuldades em acessar os serviços especializados, sobretudo as famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Consequências da SCZ e desfechos

O projeto de pesquisa foi conduzido pelo professor Everton, com apoio de cinco estudantes de graduação, dois de pós-graduação, oito professores e sete residentes da Residência Multiprofissional em Reabilitação. A pesquisa agora está passando pela fase final de revisão da análise de dados, e o coordenador explica que, justamente por isso, não é possível divulgar os desfechos destes três anos de empenho com as famílias do MS.

“A microcefalia é o achado clínico mais conhecido, mas uma série de alterações já foram descritas, como visuais, auditivas e neuropsicomotoras. Nosso estudo também avaliou crianças que nasceram clinicamente normais, ou seja, sem evidências de anomalias congênitas ou de sinais da SCZ, mas que foram expostas ao vírus Zika durante a gestação. Como os dados ainda estão em fase final de revisão, ainda não podemos afirmar ou inferir que esse grupo de crianças tenha apresentado algum evento que seja atribuível ao vírus”.

A vontade de compreender as inúmeras formas que o vírus atinge o ser humano segue alimentando os pesquisadores, e vários estudos recentes sobre o tema estão sendo compartilhados com a comunidade científica e todos os cidadãos. Até o momento, de acordo com Everton, já temos algumas certezas, como a confirmação de que crianças com SCZ apresentam menor sobrevida em relação às outras. “Um estudo publicado em 2022, em um dos principais periódicos científicos da área médica, mostrou que a taxa de mortalidade de crianças com a SCZ é 11,3 vezes maior do que a observada para crianças sem a síndrome. Embora o pico da epidemia tenha passado, novos casos de SCZ continuam ocorrendo, conforme dados do Ministério da Saúde”.

A análise científica dos pesquisadores da UFMS será mais uma a contribuir para as pesquisas acerca do Zika, tendo o principal objetivo de não apenas elucidar algumas questões clínicas a partir do acompanhamento das famílias, mas também, sob a ótica regional, de tentar amparar e auxiliar as vítimas do vírus.

Texto: Agatha Espírito Santo