Pesquisa avalia composição química e propriedades biológicas de própolis de quatro regiões do estado

Apesar de Mato Grosso do Sul ser o estado brasileiro com a maior produtividade de mel, o setor apícola local pouco aproveita a exploração de outros produtos, como a própolis. O desconhecimento das propriedades biológicas dessa substância, naturalmente produzida pelas abelhas, é um dos fatores que não estimulam o interesse comercial por parte dos produtores.

Mas o pouco conhecimento existente sobre a composição química e propriedades biológicas de amostras de própolis da região Centro-Oeste está sendo alterado por meio de pesquisas realizadas na UFMS por pesquisadores do Instituto de Química (Inqui) e Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Alimentos e Nutrição (Facfan), os quais desenvolvem o projeto  “Própolis de Quatro Regiões de Mato Grosso do Sul – Estudo Químico e Avaliação de suas Propriedades Biológicas Visando a Fomentar o Desenvolvimento Tecnológico do Estado”, sob a coordenação da professora Fernanda R. Garcez,  do Laboratório de Pesquisa de Produtos Naturais Bioativos (PRONABio), do Inqui.

Obtenção dos extratos das amostras de própolis

“O projeto visa fornecer subsídios para a exploração comercial da própolis, com base em seus constituintes químicos e do seu potencial medicinal. O propósito é que através da interação da Universidade com o setor produtivo da área de apicultura haja um estímulo para o fortalecimento da exploração comercial dessa matéria prima em Mato Grosso do Sul, viabilizando o desenvolvimento de produtos ou o fornecimento a outros segmentos desse mercado. Dessa forma, o projeto terá como consequência não só a geração de conhecimento sobre variedades de própolis produzidas em diferentes regiões de Mato Grosso do Sul, mas também a expansão de suas possibilidades comerciais como produtos de uso medicinal, com propriedades biológicas comprovadas”, explica a professora Fernanda.

Potenciais antioxidante e antitumoral

Até o momento, os pesquisadores avaliaram os potenciais antioxidante e antitumoral a partir de duas amostras provenientes de região de Mata Atlântica e de transição dos biomas Mata Atlântica e Cerrado (sul do estado) e duas amostras da região de Cerrado (parte central do estado). Eles trabalham com a própolis produzida pela Apis mellifera L., espécie de abelha mais comumente empregada no estado e no país para a produção dessa substância.

“O potencial antioxidante foi verificado por meio da determinação de fenóis totais e da capacidade sequestradora de radicais livres, e o potencial antitumoral, por meio dos ensaios de atividade antiproliferativa em várias linhagens de células neoplásicas, estudo de mecanismo de ação citotóxica e/ou de atividade mutagênica utilizando o ensaio Smart em asas de Drosophila melanogaster) de extratos, frações e/ou substâncias isoladas de amostras de própolis”, expõe.

Vários dos compostos obtidos até o momento estão sendo descritos pela primeira vez em própolis, segundo a pesquisadora, e outros pela primeira vez em própolis brasileira, além de haver uma classe de compostos que só havia sido descrita em própolis da região Nordeste do Brasil, assim como o relato dos potenciais antitumoral e mutagênico de alguns de seus componentes.

 “Embora não tenhamos dados numéricos que informem sobre o consumo de própolis no estado, acreditamos que este consumo vem aumentando de forma significativa, tendo em vista o número crescente de diferentes produtos à base de própolis encontrados em drogarias e farmácias (incluindo farmácias de manipulação), lojas de produtos naturais e outros estabelecimentos comerciais”, diz Fernanda.

A professora alerta que apesar de a população, de modo geral, considerar os produtos de origem natural isentos de qualquer risco, é preciso se atentar para o fato de que a composição química da própolis e, consequentemente, suas propriedades biológicas podem variar, dependendo da região geográfica onde é produzida.

“Caso a própolis apresente, por exemplo, um alto teor de uma substância potencialmente tóxica, pode apresentar riscos à saúde. Portanto, é importante o estudo, não só das propriedades biológicas da própolis, mas também da sua composição química e avaliação das atividades biológicas de seus componentes, particularmente os majoritários. No caso do nosso projeto, os resultados obtidos até o momento revelam o potencial terapêutico das amostras de própolis estudadas como agentes antioxidantes e antitumorais, sem efeitos mutagênicos”, diz.

Contudo, os pesquisadores verificaram que um dos compostos isolados foi tóxico, quando testado em alta concentração, para larvas de D. melanogaster, enquanto outro, com fórmula estrutural bastante semelhante, não apresentou toxicidade na mesma concentração. “Algumas substâncias isoladas, por sua vez, apresentaram potencial atividade anticâncer, sem apresentar citotoxicidade para células não tumorais”, completa.

Equipe

O grupo de pesquisa da própolis no Inqui, também formado pelos professores Nídia C. Yoshida, Patrícia de O. Figueiredo e Walmir S. Garcez, e alunos de Pós-graduação e de Iniciação Científica, é responsável pelo estudo químico das amostras de própolis (envolvendo extração, isolamento, purificação e determinação estrutural dos constituintes químicos) e também pelos ensaios de avaliação do potencial antioxidante.

Já os pesquisadores do laboratório de Biologia Molecular e Culturas Celulares da Facfan, professores Renata T. Perdomo e Eduardo B. Parisotto, e seus alunos, são responsáveis pelos ensaios de avaliação de atividade proliferativa em linhagens de células tumorais de extratos, frações e substâncias majoritárias isoladas e estudos de mecanismos de ação relacionados à atividade anticâncer das substâncias citotóxicas selecionadas.

PRONABio (Inqui)

O projeto tem ainda a participação da pesquisadora Zaira da R. Guterres, professora aposentada da UEMS e que desenvolve pesquisas no PRONABio, e responsável pela avaliação do potencial mutagênico dos extratos e substâncias majoritárias selecionadas, por meio do ensaio Smart em asas de Drosophila melanogaster. E deverá contar ainda com a participação dos professores Mônica C. T. Kadri e Saulo E. Silva Filho (Laboratório de Farmacologia e Inflamação/Facfan), que em fase futura deverão analisar o efeito dos extratos e substâncias majoritárias isoladas em modelos inflamatórios de reação aguda e crônica.

Saiba mais em: Journal of Natural Products 83, 333-43, 2020 (Costa Jr. et al.); Orbital: the Electronic Journal of Chemistry 11, 307-13, 2019 (Fernandes et al.); Toxicology Reports 2, 1482-88, 2015 (Fernandes et al.); Food Research International 62, 20-6, 2014 (Fernandes et al.).

Texto: Paula Pimenta