Pacientes do Hospital de Amor de Barretos, em Campo Grande, participam de pesquisa sobre infecção por HPV

Na última década, o aumento do percentual de mulheres infectadas por Papilomavírus Humano (HPV), em especial entre as jovens abaixo de 25 anos, e um novo momento de infecção, após os 45 anos, foi observado através de trabalhos anteriores do Grupo de Estudo em Papilomavírus humano (HPV) no Mato Grosso do Sul.

O projeto de pesquisa “Presença da infecção por Papilomavírus humano, coinfecções por outros microrganismos e o perfil de resposta imunológica em pacientes atendidas no Hospital de Amor de Barretos, unidade de Campo Grande (MS)” foi proposto, assim, para avaliar nas pacientes atendidas pelo serviço público (entre 25 e 60 anos) a condição de infecção por HPV e outros microrganismos, bem como a influência da imunidade neste processo.

Com a coordenação da professora do Instituto de Biociências (Inbio) Inês Aparecida Tozetti, a pesquisa, financiada pelo CNPq (chamada Universal), foi desenvolvida por docentes e pós-graduandos do Grupo de Estudo, que pela primeira vez estabeleceu parceria com o Hospital de Amor de Barretos.

Durante 15 dias, foram feitas coletas de amostras cervico-vaginais e de sangue em 500 mulheres que voluntariamente procuraram o hospital para fazer o exame preventivo.

“Durante o período, além do exame preventivo oferecido pelo hospital, oferecemos a detecção do HPV em todas as pacientes atendidas, o hospital detecta este vírus apenas nas pacientes que têm indicações clínicas ou diagnóstico sugestivo inconclusivo. Também fizemos a detecção de outros microrganismos, como Chlamydia trachomatis, Gardnerella vaginalis e Trichomonas vaginalis, possivelmente envolvidos na infecção por HPV ou na progressão da infecção para alterações neoplásicas, além disso avaliamos a resposta imunológica”, explica a coordenadora.

Esse é um projeto multicêntrico, sendo uma parte realizada em Barretos, onde foram feitas as análises dos exames preventivos (citológicos) e histopatológicos das pacientes que apresentavam alguma lesão.

Na UFMS no Laboratório de Imunologia, Biologia Molecular e Bioensaios (Labimunobio), foram feitas a detecção do DNA de HPV, dos DNA de outros microrganismos e a análise da resposta imunológica. O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética da UFMS e da Fundação Pio XII de Barretos.

Resultados

Cerca de 10% das pacientes analisadas – entre 25 e 60 anos – foram positivas para DNA de HPV. Dentre as infectadas, a maioria das pacientes positivas apresentava os tipos de HPV de alto risco oncogênico. A infecção persistente por mais de 10 anos por esses tipos virais pode aumentar em até 10 vezes as chances da paciente apresentar câncer do colo de útero.

Os tipos mais encontrados foram o HPV45, que vem sendo predominante nos estudos executados pelo Grupo em Mato Grosso do Sul desde 1997, seguido do HPV16 e 18, os quais juntos são identificados em 90% dos casos de câncer do colo do útero.

Os estudos realizados pelo Grupo apontam que no estado os tipos predominantes são o HPV45, HPV59 e depois o HPV16, todos de alto risco oncogênico e os tipos HPV6 e HPV11 de baixo risco oncogênico. As variações entre a frequência dos diferentes tipos virais podem ocorrer de acordo com a região ou população estudada. Localmente, não podemos esquecer que somos um estado com limites fronteiriços associados à migração populacional.

Com relação aos outros microrganismos, os pesquisadores encontraram que 5% da população apresentaram DNA de Chlamydia trachomatis, bactéria transmitida sexualmente e que em gestantes pode causar aborto e até esterilidade. Menos de 1% apresentava Trichomonas vaginalis, que é um protozoário e sobre Gardnerella vaginalis os estudos estão finalizando.

“Todas as pacientes foram avaliadas com relação ao estado imunológico. Encontramos diferença na resposta imune das pacientes que tinham infecção apenas por HPV e aquelas que não foram infectadas por esse vírus, assim como entre aquelas que apresentavam somente infecção por Chlamydia trachomatis.”

 A resposta imunológica inadequada é um fator que predispõe a paciente a cronicidade, ou até a uma alteração neoplásica. “Se compararmos a paciente infectada por Chlamydia trachomatis, HPV e a paciente sem infecção, a resposta é diferente. Não no sentido de proteção, mas porque essas pacientes infectadas por algum motivo, talvez a própria infecção, estão mais suscetíveis à persistência desses microrganismos. Pode ser um mecanismo que muda a resposta da paciente para assegurar a permanência da infecção”, afirma a pesquisadora.

Os pesquisadores também encontraram pacientes negativos para infecção por HPV, mas com Chlamydia trachomatis ou Gardnerella vaginalis. “A predisposição ao contágio por essas doenças é multifatorial”, diz.

O Grupo de pesquisa realiza agora um novo projeto, com estudo mais detalhado sobre a resposta imunológica. “Estamos avaliando essa resposta através de produtos solúveis que chamamos de citocinas, e através dos tipos celulares encontrados no sangue circulante das pacientes.”

Preocupação

Cerca de 20% a 30% das mulheres abaixo dos 25 anos, nos dias atuais têm infecção por HPV. “Essas mulheres estão numa fase de maior atividade sexual e, principalmente por terem relações estáveis, optam pelo não uso do preservativo, assim acabam muitas vezes se infectando. A infecção por HPV pode ser pregressa, em nossos estudos anteriores 84% dos homens atendidos em consultório urológico apresentaram DNA de HPV”, afirma Inês.

A partir dos 25 anos a infecção em mulheres tende a diminuir, seja pelas alterações hormonais ou pelo comportamento sexual das mulheres, ficando em torno de 10%. Atualmente ocorre algo que, segundo os pesquisadores, não havia há alguns anos atrás: um segundo pico de infecção, entre os 45 e 60 anos.

“Isso está relacionado ao novo perfil da mulher na sociedade, aonde ela vai novamente buscar um relacionamento e culturalmente não tem como hábito o uso do preservativo. Ocorre então nova elevação dos os índices de infecção.” Completa a coordenadora da pesquisa.

Em ambos os casos, os índices são preocupantes, segundo Inês. “Esperamos que com a vacinação das meninas e meninos tenhamos esse índice de infecção diminuído daqui a alguns anos”, completa.

A vacina tetravalente aplicada atualmente em crianças oferece proteção para os tipos de HPV 6, 11, 16 e 18. Os dois últimos são os principais responsáveis pelo câncer cervical. Na América do Norte e Europa já está disponível a vacina nonavalente, que oferece proteção contra nove tipos, inclusive para o HPV45, mais frequente em nossos estudos em Mato Grosso do Sul, entretanto essa vacina ainda não está disponível na rede pública em nosso país.

Contágio

A entrada do vírus no epitélio ocorre  por meio de micro fissuras presentes na pele e mucosa. Sendo o contato durante o ato sexual, tanto nas partes internas como externas do órgão sexual, a principal forma de transmissão.

O vírus não está presente nos fluídos corporais, portanto o contato direto pele-pele, mucosa-mucosa ou pele-mucosa é a forma de transmissão clássica, mas pode ocorrer por compartilhamento de objetos pessoais (pinça, alicates, sabonete, toalhas, canudos e outros), ou transmissão entre mãe e filho, por exemplo, no parto normal ou compartilhando os utensílios pessoais e água no banho.

“O HPV é silencioso, a infecção não tem sinais clínicos e sintomas caraterísticos. Uma jovem que se infecta com 18 anos, pode ficar cerca de 10 anos infectada sem saber, principalmente porque muitas jovens não realizam o exame preventivo, não procuram regularmente um ginecologista. Na rede pública o exame citológico (preventivo), que pode sugerir a infecção pelo HPV, só é realizado em mulheres a partir dos 25 anos”, expõe Inês.

A paciente que tem HPV possui realmente uma resposta imune diferenciada: ela deveria ser protetora numa primeira fase da infecção e numa segunda fase, quando o paciente já tem a infecção, ter outro desempenho para garantir a eliminação do vírus. Entretanto, a resposta inicial demora a ocorrer, não acontecendo a tempo de eliminar o vírus.

Pacientes com HPV que apresentam lesões de alto grau na cérvice uterina ou no canal vaginal são encaminhadas para procedimentos como a cirurgia de alta frequência. Espera-se, após esse procedimento, que a maioria do epitélio infectado seja retirado e com esse estímulo o sistema imune da paciente tenha mudado seu perfil conseguindo eliminar o que restou do vírus.

“Se ela não tiver lesão, espera-se um tempo para a paciente eliminar o vírus com seu próprio sistema imunológico. Então, ela é acompanhada, repetindo o exame a cada seis meses. Vemos 90% das pacientes infectadas e sem lesão, eliminar o vírus no prazo de 1 a 2 anos e meio”, explica. Hoje, existem também imunoestimuladores que são aplicados localmente na forma de creme vaginal, estimulando a resposta imune no local e ajudando no tratamento da infecção.”

Contudo, é preciso limitar a infecção, para evitar a reinfecção. Algumas medidas preventivas entre a mulher e o seu parceiro têm de ser tomadas, como uso do preservativo. Como este vírus é o principal responsável pelo câncer de colo de útero, nas situações cujo diagnóstico é feito em fases avançadas a retirada do útero pode ser a indicação.

Análise dupla

A inovação deste projeto foi a realização de coleta de dois tipos de amostra, uma amostra da cérvice do útero, a mesma coletada para o preventivo pelo profissional habilitado, e outra de células do canal vaginal e cérvice uterina, coletada com escova endocervical macia pela própria paciente. Em ambas as amostras houve a pesquisa de HPV e outros microrganismos utilizando ferramentas de Biologia Molecular.

As análises encontraram uma boa concordância (cerca de 80%), entre os resultados dos testes: em ambas as amostras. Outros projetos menores, executados pelo Grupo anteriormente, apresentaram percentual de até 98%. O resultado pode variar de acordo com as instruções sobre a coleta, informadas para as pacientes e também de acordo com o método usado para obtenção das células (escova, espátula, lavado e etc.).

“A autocoleta é muito usada em países na Europa e Ásia, onde na Unidade de Saúde a paciente recebe um kit com uma escova endocervical e instruções para coletar a sua amostra no conforto de sua casa e sem constrangimento”, expõe a professora Inês.

Durante a pesquisa no Hospital de Amor de Barretos, as pacientes foram orientadas pela equipe do projeto sobre como proceder a autocoleta, antes da coleta para o preventivo. “Realizamos, então, uma análise em paralelo das duas amostras para checar se havia concordância de resultados”.

A autocoleta é um método de coleta de amostras cervico-vaginais promissor para as áreas onde há difícil acesso, populações rurais, ribeirinhas e outras. Sendo também indolor e mais confortável para as pacientes, promove maior adesão das mesmas ao rastreamento do câncer de colo de útero.

“Dessa forma, as equipes da Saúde da Família, após treinamento, poderiam auxiliar na propagação do método e assim as pacientes poderiam fazer a coleta em casa e encaminhar esse material para análise ao laboratório. Na Índia, onde a mulher culturalmente tem restrições quanto a coleta clínica, a autocoleta é muito utilizada, assim como na Dinamarca, onde as pacientes após a coleta enviam a amostras pelo serviço postal, ao laboratório central do país. Isso diminui os custos do exame, as filas para agendamento de exame e o atendimento no posto de saúde”, completa a pesquisadora.

Os pesquisadores do Grupo de Estudo em HPV no Mato Grosso do Sul têm como objetivo sugerir a autocoleta como uma possibilidade para obtenção de amostras para o diagnóstico do HPV. “Deve-se entregar um folder com imagens auto-explicativas, junto de texto de apoio, informando, como a mulher irá introduzir a escova endocervical de ponta macia, no canal vaginal. Essa escova deverá ser movimentada em rotação, no sentido horário, cinco vezes e retirada com cuidado para não tocar em outro local. A escova inserida em um tubo plástico sem conservantes ou outro tipo de solução e, então, devolvida para a análise”, explica Inês.

Das 500 mulheres acompanhadas no Hospital de Amor, somente duas não tiveram sucesso na realização da autocoleta. A pesquisadora aponta, em todo o mundo, maior aceitação desse método por parte das pacientes, com a propaganda crescendo boca a boca entre as mulheres.

“Muitas evitam a coleta clínica mais se dispõe a realizar a autocoleta. Conversamos com mulheres de 50 a 60 anos que estavam fazendo o exame pela primeira vez, pois tinham medo da dor que poderiam sentir, ou então intimidadas pela natureza do exame”.

Parte do trabalho já foi publicada em dois artigos e uma tese de Doutorado, durante os anos de 2018 e 2019. A parte final será ainda objeto de mais uma tese de Doutorado e informes foram divulgados em vários congressos nacionais e internacionais. O relatório final será enviado ao CNPq em outubro. Em nosso estado, foram realizadas apresentações sobre essa metodologia de coleta em seminários a representantes do SUS, em eventos organizados pela Fundect.

Texto: Paula Pimenta