Inovação em pesquisa: grupo utiliza microrganismos nativos de MS em processos de biorremediação

O Brasil é considerado um dos maiores produtores agrícolas do mundo e, por essa razão, também está entre os países que mais utilizam agrotóxicos nas lavouras para eliminar pragas e doenças que afetam as plantações. Porém o seu uso continuado vem trazendo consequências graves para o meio ambiente e para a saúde humana.

Quando aplicados nas plantações, por exemplo, os agrotóxicos acabam penetrando no solo, contaminando o mesmo e tornando-o, inclusive, improdutivo. O problema aumenta quando essas substâncias são levadas, pelas chuvas, principalmente, para os rios e reservatórios de água, sem falarmos na poluição das fontes subterrâneas. Estudo realizado pelas organizações Agência Pública, Repórter Brasil e Public Eye (confira aqui), mostrou que, um em quatro municípios brasileiros apresentou contaminação da água potável por 27 tipos de diferentes agrotóxicos. Os dados foram coletados entre 2014 e 2017 e disponibilizados no Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano, de responsabilidade do Ministério da Saúde.

Mato Grosso do Sul foi um dos estados que apresenta nível considerado de contaminação. Na capital, Campo Grande, por exemplo, dos 27 agrotóxicos detectados na água potável, 11 estão ligados a doenças crônicas. Vale ressaltar que nenhum deles estava em concentração acima do limite permitido no país, porém, considerando o limite adotado em países da Europa, por exemplo, sete estariam em concentração acima da permitida.

Nos últimos anos, pesquisadores vêm buscando alternativas capazes de reduzir as concentrações de produtos tóxicos em solo e água. Esse processo é chamado de biorremediação e se tornou foco de estudo de um grupo de pesquisadores do Laboratório de Química Orgânica e Biológica (CNPq) do Instituto de Biociências (Inbio).

“Esse trabalho começou com os professores Dênis Pires de Lima e Giovana Cristina Giannesi que estavam em busca de uma enzima que fizesse modificações estruturais em fenol. Nesses testes, eles perceberam que após a utilização de um determinado fungo foram modificadas as estruturas da amina e não da hidroxila. Com isso, foram buscar na literatura e perceberam que havia poucos trabalhos relativos a utilização de fungos na modificação das aminas. Era uma descoberta que ressaltava a importância de se estudar isso, especialmente, na área farmacêutica industrial. Em química orgânica, modificar uma amina com uma enzima proveniente de um fungo é de uma importância tremenda, já que diminuímos a utilização de catalisadores químicos sintéticos”, conta o professor Edson dos Anjos.

O pesquisador explica que o fungo atua através de enzimas que são catalisadores biológicos. “Em relação ao catalisador químico, que pode ser um metal, um ácido, é um processo menos agressivo ao meio ambiente, por reduzir o uso de reagentes químicos e também menos custoso.  Pois, existem catalisadores que são muito caros, que provem de metais como prata, platina entre outros. E os microrganismos, necessitam em grande parte, de material orgânico para se desenvolver, podendo ser utilizado até resíduos gerados na produção agroindustrial, como a palha de arroz e o bagaço da cana-de-açúcar”, explica Edson.

“Nesse trabalho a proposta foi utilizar o microrganismo na síntese do paracetamol.  Posteriormente, percebi também que havia processos relacionados ao uso de microrganismos na acetilação do grupo amina em alguns pesticidas, o que reduzia a sua toxicidade. Algumas aminas aromáticas são conhecidas na literatura por serem citotóxicas e mutagênicas. Quando livres elas têm muita facilidade em se ligar ao DNA provocando mutações e, por isso, podem ser responsáveis pela proliferação de células defeituosas que venham a gerar tumores no organismo, por exemplo. Isso serve tanto para seres humanos, como animais. Essa foi uma das questões que nos instigou bastante, já que ao se tratar uma lavoura com pesticidas, pode haver a contaminação do solo, dos rios, agravada ao fato de eles se acumularem e perdurarem no ambiente por muitos meses, já que são bastante resistentes, gerando efeitos nocivos à saúde”, diz o pesquisador.

Edson conta que decidiu começar, então, as pesquisas com pesticidas em 2016 com a acadêmica de mestrado em Química Angela Akimi Shimabukuro. “Em 2019, aprovei o projeto Biorremediação de Aminas Aromáticas Tóxicas por Fungos Filamentosos no edital universal do CNPq e o mesmo ainda está vigente. A acadêmica de doutorado em Biotecnologia Amanda Dal’Ongaro Rodrigues também integra o projeto e desenvolve, atualmente, estudos com dois herbicidas muito utilizados no estado tentando descobrir como os fungos podem contribuir para reduzir a sua toxicidade em solos”, explica Edson.

“Esta é uma área nova para mim, pois no mestrado trabalhei com síntese orgânica. Os agrotóxicos são utilizados largamente nas plantações e é importante saber que uma pesquisa conduzida por mim pode ser útil para o nosso Estado. É uma experiência sensacional, pois Mato Grosso do Sul têm uma grande produção agrícola e os resultados podem servir para melhorar a produção e contribuir para a conservação do meio ambiente. É muito bom saber que seu estudo tem uma aplicação e que isso no futuro será muito bom, ou seja, fazer algo de bem para ciência e para a sociedade. O programa de Biotecnologia é relativamente novo e veio com uma proposta para obter uma ligação mais próxima entre a Universidade, a pesquisa e o setor produtivo”, comenta Amanda.

Os experimentos desenvolvidos no laboratório de pesquisa mostraram que em solos contaminados com os dois herbicidas não houve germinação das sementes de alface. “Nos experimentos em placas já observamos resultados que indicam a biorremediação dos pesticidas por fungos. A fase atual envolve experimentos com amostras de solo contaminado por dois herbicidas nas quais são inseridos os fungos. Percebemos que nas amostras contaminadas com os herbicidas, não houve germinação das sementes da alface. Nas amostras com as sementes, contaminadas pelos herbicidas e com aplicação do fungo foi observado o crescimento da planta”, ressaltam os pesquisadores.

A professora do Inbio Maria Rita Marques também participa dos estudos desde o início e enfatiza a importância do trabalho tanto para a área econômica como para a saúde e meio ambiente. “Uma das questões levantadas no projeto do CNPq é a possibilidade de tratamento do solo das plantações e água para consumo com microrganismos a fim de biorremediá-los, contribuindo para o aumento da produtividade, já que o uso de pesticidas diminui a capacidade de produção, além da questão da saúde, claro. A utilização dos fungos praticamente anula os efeitos nocivos dos herbicidas. Os estudos indicam perspectivas positivas nos experimentos realizados em laboratório e de forma aplicada”, diz Maria Rita.

Além de Amanda, a acadêmica de graduação em Farmácia Gabrielle Teixeira Machado também participa das atividades da pesquisa. “Foi meu primeiro contato com a pesquisa, quando entrei na Universidade e era uma das coisas que eu mais estava ansiosa para participar e conhecer. Primeiro como voluntária por um ano e depois como bolsista. Desde então a gente fez muita coisa aqui. Aprendi muito e tem sido uma experiência muito boa, pois me levou para áreas que estão além da minha formação. Acho que a iniciação científica aumenta nossos horizontes na graduação e deixa muita gente apaixonada pela pesquisa”, conta Gabrielle que está no sexto semestre.

Edson destaca também que o pedido de registro de patente do processo de biorremediação junto à Agência de Internacionalização e Inovação da UFMS já foi protocolado e está em fase de análise. Os autores também relatam a publicação recente do livro Rhizobiont in Bioremediation of Hazardous Waste, no qual tiveram a participação na escrita do primeiro capítulo Plant–Microbe Interactions for Bioremediation of Pesticides (https://doi.org/10.1007/978-981-16-0602-1_1), que relata as importantes interações entre microrganismos e plantas em processos de biorremediações de ambientes contaminados por pesticidas.

Texto e fotos: Vanessa Amin