Pesquisas alertam para melhor orientação e supervisão no uso de medicamentos de doenças crônicas

Pacientes precisam de orientação e supervisão no uso dos medicamentos. Essa é a realidade constatada por pesquisadores do Programa de Ciências Farmacêuticas, que investigam questões relacionadas à farmacoterapia em pacientes com doenças crônicas como a hipertensão arterial, diabetes, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica (ela), esclerose sistêmica, asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

“Com os resultados dos estudos farmacoepidemiológicos podemos propor ações para modificar políticas públicas, como para alterar estratégias de abordagem dos pacientes. Temos um Sistema Único de Saúde (SUS) que disponibiliza medicamentos gratuitamente para muitas doenças crônicas, como hipertensão arterial e diabetes; no entanto, não temos como saber se o paciente pega o medicamento e o utiliza da forma correta”, explica a professora Maria Tereza Monreal, coordenadora da Farmácia Escola da UFMS.

Os resultados das pesquisas já realizadas nas unidades de saúde do município de Campo Grande têm auxiliado os gestores da Saúde Pública a dar início a uma nova práxis no processo de dispensação dos medicamentos aos pacientes da rede pública, com vistas a assegurar uma maior adesão aos tratamentos e menor desperdício de recursos públicos revertidos no tratamento. Parte da implantação dessa nova visão foi levada a campo pelos farmacêuticos graduados e pós-graduados na UFMS, com implantação das Farmácia Clínicas em várias unidades de saúde.

“Nós estamos parando de entregar caixinhas. Agora, o farmacêutico está preocupado com o paciente e com os resultados da farmacoterapia. Como é uma tendência nova, um modelo novo de atuação, o estado de Mato Grosso do Sul tem abraçado essa visão, esse novo cenário, assim como o município de Campo Grande. Estamos conseguindo provar para o gestor que há impacto negativo e significativo quando o paciente não usa de forma racional os medicamentos prescritos. Seu quadro clínico se agrava, pode necessitar de internações, saindo, assim, do nível de atenção primário para o terciário, no qual os custos do atendimento são consideravelmente superiores”, aponta a professora.

As mudanças começaram a ocorrer em 2013, quando algumas resoluções do Conselho Federal de Farmácia abriram possibilidades para modificar a forma de atuação do farmacêutico, apoiando e ampliando a atuação clínica do profissional, que passou a ter participação ativa no processo do cuidado ao paciente, à família e à comunidade. Atualmente ele se vê responsável pelo resultado da farmacoterapia e, para isso faz visita domiciliar, atende em consultório farmacêutico, identifica pacientes com necessidades, prioriza onde vai atender, quem ele vai atender, podendo até prescrever em casos de distúrbios menores.

Prescrição

Durante mestrado, o farmacêutico Kauê Cezar Sá Justo trabalhou o entendimento das prescrições medicamentosas de pacientes atendidos em Unidades Básicas de Saúde. De acordo com o pesquisador, “a prescrição de medicamentos é o instrumento chave para a indicação terapêutica, é emitida após anamnese, análise ou pedidos de exames clínicos e traça o caminho terapêutico a ser adotado para cada paciente. O entendimento da prescrição e do tratamento no todo é um fator essencial para a garantia da adesão e alcance dos resultados terapêuticos esperados”.

O estudo de corte transversal foi realizado de janeiro a julho de 2016 em 24 Unidades Básicas de Saúde de Campo Grande, com participação aleatória de 384 pacientes, dos quais 65,9% eram do sexo feminino e 48,7% eram idosos.

“Das prescrições analisadas, 87,5% eram manuscritas, 52,4% foram consideradas legíveis, 53,1% foram entendidas de forma suficiente e o entendimento autoreferido pelos pacientes foi considerado suficiente em 69,3% dos casos. Cerca de 20% dos pacientes relataram o não recebimento de orientações em relação a prescrição e a interação entre o médico prescritor e o profissional farmacêutico nesse quesito foi baixa. A probabilidade de entendimento da prescrição quando esta é legível (considerando somente este fator) foi de 54,44%. Observou-se que a cada medicamento adicionado à prescrição, a probabilidade de entendimento foi reduzida em 4,2%”, apresentou o pesquisador.

Em conclusão, Kauê verificou que “o entendimento da prescrição decorre exclusivamente da qualidade da prescrição, do seguimento das determinações para a emissão dessas prescrições, do serviço prestado pelos profissionais de saúde atuantes nas UBS e da interação entre estes profissionais”.

A professora Maria Tereza alerta para o fato de muitos pacientes irem para casa sem ter compreendido adequadamente a forma de utilização da medicação, o que acaba dificultando ainda mais a adesão ao tratamento, resultando em retorno posterior ao sistema de saúde, às vezes, com agravamento da situação ou com uma doença ocasionada por interação medicamentosa. A não compreensão por parte do paciente, pode estar relacionada a vários fatores como baixa escolaridade, letra do prescritor, a falta de entendimento quanto à sua doença, idade, capacidade cognitiva, associação de comorbidades elevando o número de medicamentos a serem utilizados pelo paciente, etc.

Além de não compreender, ainda existem outras variáveis, como as encontradas pela farmacêutica Bianca Rodrigues Acácio que averiguou o impacto do cuidado farmacêutico domiciliar em pacientes hipertensos para descobrir o porquê dos pacientes, mesmo recebendo a medicação, não conseguirem controlar a pressão arterial.

De um grupo de 57 pacientes, 27 compuseram o grupo controle e os demais o de intervenção, sendo a maioria de idosos, baixa escolaridade e renda até três salários mínimos.

“A média das pressões arteriais registradas foi de 140/87 mmHg. Grande parte da população apresentou as comorbidades diabetes e dislipidemia (47,4%). Maioria não praticava atividades físicas (61,4%) e 38,6% apresentavam obesidade, apesar disso, a maioria (57,9%) tinha uma percepção positiva sobre a sua saúde. O acompanhamento mensal, durante seis meses, apontou que 33,3% apresentavam dificuldade de leitura e o mesmo número dificuldade de organização. Ainda, 22,8% tinham dificuldade de lembrar-se de tomar os medicamentos”.

De acordo com a pesquisadora, “o método clínico de cuidado farmacêutico, aplicado na residência dos pacientes é eficaz para melhorar a adesão dos pacientes com hipertensão não controlada e, assim reduzir a pressão arterial. Em seu estudo observou redução da média da pressão arterial no grupo que foi acompanhado”.

Bianca relata que ao fazer os questionamentos, conseguiu perceber as falhas no uso do medicamento. “Muitas vezes diziam: hoje acordei bem, acho que vou dar um descanso para o meu organismo e não tomar o remédio, ou então, hoje vou beber à noite, então não vou tomar o medicamento. Depois de passar a acompanha-los, eles aderiram melhor à medicação, que no caso dos hipertensos deve ser tomada por toda a vida. A pessoa vai ao médico, recebe o remédio na farmácia, vai para casa e fica desassistido. Quando eles tiveram essa atenção, melhorou a adesão”, diz.

Os pacientes também informavam que deixavam de tomar os anti-hipertensivos por urinarem muito. “Eles achavam que era um efeito colateral, mas na verdade era efeito esperado do tratamento. Tem medicamento que, por exemplo, reduz o potássio, o paciente acaba tendo câimbra, não quer mais tomar e não fala para o médico, que poderia fazer a reposição de potássio para esse paciente. Há muita falta de conhecimento, de informação”, completa Bianca.

Os problemas da farmacoterapia em pacientes hipertensos e diabéticos assistidos pela estratégia da saúde da família do município de Campo Grande foram levantados pelo farmacêutico Amador Alves Bonifácio Neto.

Em seu estudo, não foram detectados problemas relacionados à seleção e ao acesso aos medicamentos, mas o pesquisador identificou entraves quanto à utilização, como a não adesão ao tratamento farmacológico e a complexidade da farmacoterapia. “Assim sendo, a prevalência de adesão ao medicamento, bem como do controle clínico dessas doenças, está distante da condição ideal sinalizando necessidade de conduzir os pacientes ao uso racional dos medicamentos”, concluiu.

Isso mostra que os pacientes precisam sim de um acompanhamento do profissional farmacêutico para que a medicação alcance os resultados terapêuticos esperados. “Não adianta você distribuir medicamento e não acompanhar o uso por esses pacientes. Olha o custo disso, se pensarmos no tamanho da população com alta prevalência de doenças crônicas como a hipertensão e o diabetes. Vários problemas podem ser detectados quando se realiza o acompanhamento do paciente em seu domicílio, como a forma de armazenamento dos medicamentos, que também impacta nos resultados terapêuticos. Por exemplo, o armazenamento de medicamentos que precisam refrigeração, como na esclerose múltipla e diabetes tipo 1 ou insulinodependente. Se o paciente não compreender a importância desse cuidado, todo o tratamento ficará comprometido. Já encontramos insulina armazenada dentro de guarda-roupas, pois o paciente tinha receio de que alguém pudesse utilizar seu medicamento”, relata a professora Maria Tereza.

Os pesquisadores enfatizam que para boa parte dos pacientes é preciso repassar informações detalhadas como o horário mais adequado considerando sua rotina diária, intervalo entre doses, efeitos do medicamento, alertas para não esquecer, desmistificar o uso de medicamentos com leite que em várias situações é prejudicial, entre outras dicas que evitariam erros.

A quantidade de medicamentos, que depende do estágio da doença e da associação de várias doenças em um mesmo paciente, também interfere na adesão.  Quanto maior o número de medicamentos, mais complexo é garantir a adesão ao tratamento e, com o envelhecimento da população, essa condição ficará cada vez mais frequente, demandando a presença do profissional farmacêutico nas equipes de saúde, para garantir o uso racional dos medicamentos e assim, obter os melhores resultados possíveis com a farmacoterapia.

Melhorias

Para evitar o uso inadequado dos medicamentos, é preciso que haja um acompanhamento mensal de acordo com a necessidade do paciente, priorizar quais são os pacientes potencialmente não-aderentes, em especial idosos, pessoas com baixa capacidade cognitiva, com baixa escolaridade, pessoas que moram sozinhas, paciente que trabalha o dia todo e só volta à noite para a residência, entre outros.

Para a professora Maria Tereza é preciso haver um trabalho multiprofissional bem coordenado: o médico diagnosticando e escolhendo o melhor tratamento, o SUS disponibilizando medicamentos seguros e efetivos e, o farmacêutico dispensando, orientando o uso e fazendo o acompanhamento farmacoterapêutico.

“Hoje as unidades básicas de saúde estão implantando os Consultórios Farmacêuticos para atendimento clínico dos pacientes. Esse atendimento é capaz de identificar e acompanhar pacientes com necessidades. A falta de informação no uso de medicamento é fator que realmente leva a uma perda de qualidade de vida e de recurso financeiro”.

Entre as doenças crônicas, diabetes e hipertensão são as que absorvem grandes quantidades de recursos financeiros do Sistema Único de Saúde porque a prevalência na população é elevada, assim como a não adesão ao tratamento.

Farmácia Escola

Há quatro anos, Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) são distribuídos pela Farmácia Escola da UFMS para pacientes com esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica (ELA), esclerose sistêmica, asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), por meio de um Acordo de Cooperação entre a SES/MS e a UFMS.

“São aproximadamente 400 pacientes que, além dos medicamentos recebem orientação e acompanhamento farmacoterapêutico. Pacientes em início de tratamento são monitorados pelas farmacêuticas e pós-graduandos para identificar problemas relacionados à farmacoterapia. Pacientes mais antigos também são acompanhados pela equipe, principalmente quando não comparecem no dia agendado para retirar seus medicamentos e aqueles que apresentam manifestações clínicas compatíveis com resultados negativos da farmacoterapia. Precisamos nos antecipar aos problemas e propor medidas de intervenção. São doenças com forte potencial de comprometer a qualidade de vida dos pacientes e os medicamentos disponibilizados pelo SUS são de alto custo, condições que demandam atenção redobrada da equipe de saúde”, explica a coordenadora da Farmácia Escola, professora Maria Tereza.

Para alcançar êxito nos tratamentos, as farmacêuticas detalham aos pacientes como é a evolução clínica da doença quando as recomendações médicas e farmacêuticas são seguidas e quais as possibilidades quando o paciente não segue as recomendações.

No caso de pacientes com esclerose, é importante o papel do farmacêutico no rastreamento de outras doenças, como hipertensão e diabetes. “Fazemos o rastreamento, quando percebemos que o paciente tem a possibilidade de ter outra doença, encaminhando, posteriormente para o profissional ou serviço adequado para o diagnóstico e implementação do tratamento”.

Eles também recebem orientações sobre os cuidados gerais com a saúde. “A parte mais difícil de se alcançar êxito é aquela que implica mudanças de estilos de vida – educação em saúde. Os pacientes até aceitam as recomendações, mas até colocar em prática é um longo caminho”, diz a professora.

Paula Pimenta