Pesquisa aborda acesso a políticas de saúde em comunidade indígena

Na área do Direito, um projeto de iniciação científica realizado entre agosto de 2017 e agosto de 2018 verificou na comunidade Laranjeira Ñanderu o acesso das mulheres de etnia Kaiowá à política pública de saúde. A garantia por um atendimento específico é determinada pela Lei de n° 8.080, de 25 de julho de 1990, que institui um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, e pela Lei de n° 9.836, de 23 de setembro de 1999, que acrescenta dispositivos à Lei 8.080. O resultado encontrado na aldeia, localizada a 15 km de Rio Brilhante (MS), foi a deficiência na aplicabilidade da Lei.

O estudo jurídico com aporte antropológico foi realizado pela acadêmica do 3° semestre de Direito, Patrícia Estolano Francelino, orientada pelo professor José Paulo Gutierrez. A aluna conta que nunca tinha tido contato com uma comunidade indígena e que o estudo ampliou sua visão de mundo. “Conheci uma realidade completamente diferente das que tinha tido acesso. Os indígenas têm valores, o tratamento entre si e um olhar sobre o mundo muito específicos. Ver essa realidade de perto realmente me impactou. Além disso, eles me receberam muito bem e, apesar de eu ser estranha à comunidade, se dispuseram a me ajudar com a pesquisa”, disse.

A visita para a observação participante foi feita à comunidade no dia 24 de março deste ano, depois de meses de estudos sobre as tradições indígenas e a legislação da saúde. “Busquei todo o conhecimento possível para chegar ao local com esse olhar diferenciado que preconiza a Lei. Elaborei um questionário para garantir as informações necessárias, mas deixei a conversa fluir, conforme a disponibilidade de cada uma das entrevistadas”, relata. A acadêmica conversou com oito das cerca de 35 pessoas consideradas mulheres na aldeia. “É uma curiosidade, eles só consideram ‘mulher’ aquela que é casada”, explica.

Entre os relatos coletados estão os que evidenciam a falta de um posto de saúde na aldeia, percalços na coleta de exames e especialmente no atendimento ginecológico, e a falta de medicamentos. “Elas nos disseram que a comunidade recebe a cada 15 dias uma equipe de profissionais da saúde, mas não existe um local adequado para as consultas, com a devida preservação da particularidade do paciente. Com isso muitas das mulheres não conseguem se expressar ou mesmo expor seus problemas. Elas têm vergonha de falar sobre suas necessidades e dúvidas e também medo de que alguém que está no mesmo local da consulta ouça e espalhe as informações que são muito pessoais”, elucida.

Além da falta de estrutura para os atendimentos a própria estrutura da aldeia é considerada precária, pois a água utilizada é vinda de um córrego próximo que não é 100% potável e, ainda, a situação dos indígenas na região é provisória. “Eles estão atualmente em uma área de preservação de uma propriedade particular, com uma liminar que garante a eles o espaço. Estão aguardando a devida demarcação das terras. Isso também influencia nesse atendimento de saúde, que seria muito mais efetivo caso a comunidade já estivesse devidamente estabelecida”, afirma o professor José Paulo Gutierrez, que pesquisa a comunidade desde seu doutorado.

“Os indígenas dessa comunidade se sentem invisibilizados. O atendimento emergencial chega à aldeia, pois relataram que se precisam chamar uma ambulância para alguma situação de urgência o atendimento ocorre. Mas esse acompanhamento por um subsistema específico de saúde garantido por lei é precário, há carência também por formações preventivas, como palestras e eventos informativos”, conclui Patrícia Estolano Francelino.

O professor conta que programa uma próxima visita à comunidade para levar os resultados da pesquisa, que serão apresentados também no Integra UFMS 2018 em novembro. “É muito importante fechar esse ciclo com a devolutiva aos indígenas. Para além de ser uma forma de agradecer a permissão e disponibilidade, é uma forma de contribuirmos para a melhoria da qualidade de vida nessa comunidade”, finaliza José Paulo Gutierrez.

 

Texto: Ariane Comineti

Foto: Patrícia Estolano Francelino