Engenharia de Cristais pode reduzir volume de defensivos no campo

Há décadas a produtividade tem sido o grande desafio da agricultura e nessa busca os defensivos agrícolas são usados como as principais intervenções para proteção das culturas. O uso de compostos agroquímicos herbicidas obtidos por meio da Engenharia de Cristais está sendo proposto como modo de reduzir o volume de defensivo aplicado em campo.

A pesquisa “Otimização de ingredientes sólidos ativos de ação herbicida via Engenharia de Cristais – triagem e caracterização de modificações cristalinas com menor impacto ambiental” é desenvolvida pelo professor Paulo de Sousa Carvalho Júnior, do Campus de Nova Andradina (CPNA), por meio do Programa de Pós-graduação em Química do Inqui/UFMS e nesta temática tem a colaboração do professor Carlos Nazário. O desenvolvimento de modificações cristalinas também é tópico da tese de doutorado da acadêmica Amandha Kaiser.

A Engenharia de Cristais é uma área promissora a se considerar nas investigações de compostos bioativos – que incluem compostos de fontes naturais, sintéticos, farmacêuticos e agroquímicos.

“São inúmeras as aplicações, tanto em ciência fundamental com aplicações utilitárias que demonstram a importância de se reconhecer a relação entre estrutura do estado sólidos e propriedades físico-químicas (que guiam aplicação prática). Embora as dificuldades, existe um esforço pessoal e profissional de que esta pesquisa contribua com o ensino de cristalografia (Engenharia de Cristais), pela formação de capital intelectual qualificado na área, bem como na implantação da linha de pesquisa na UFMS, contribuindo para a descentralização na pesquisa de estado sólido no país”, completa o professor.

Engenharia de Cristais

Os defensivos agrícolas (pesticidas) são intervenções causadoras de impactos ambientais quando há uso inadequado. “Uma vez que a eficácia dos defensivos está inerentemente relacionada as propriedade físico-químicas do ingrediente agroquímica ativo (IAQ) sólido que o compõe, modificações cristalinas dos compostos – como sais, cocristais e polimorfos − tornam-se uma proposta atrativa para produção e manufatura de componentes mais eficazes”, explica o professor.

Por isso, propõe-se o uso da Engenharia de Cristais para o desenvolvimento de IAQs de maior solubilidade e estabilidade, com melhor eficiência e menor dosagem na aplicação agrícola, sendo, de acordo com o pesquisador, seguros e impulsionadores da redução de impactos ambientais.

Dessa forma, os IAQs sustentáveis que apresentem propriedades eficientes e mínimos impactos ambientais são altamente requeridos nas práticas agrícolas a fim de se garantir produtividade, de acordo com o pesquisador. “Isso também implica pensar sobre toxicidade e segurança ao se armazenar e estocar estes produtos. Além do transporte e segurança para saúde dos trabalhadores”.

A Engenharia de Cristais é uma área de pesquisa de interface entre cristalografia, química supramolecular e estado sólidos. “Numa visão cristalográfica, o cristal é definido com uma unidade molecular/atômica que possui simetria a periodicidade. Isso implica que moléculas estão ordenadas a longo alcance conforme um padrão, estabilizadas por um conjunto de interação intermoleculares (padrão supramolecular). Esta compreensão, apesar de sucinta, possibilita a racionalização do estado sólido antes mesmo que ele seja concebido. Um tratamento sistemático que visa aproximações para se obter cristais”, expõe Paulo.

Essa definição de cristais mostra a dificuldade inerente de se conseguir o estado sólido, já que uma molécula no estado sólido pode ser encontrada com diferentes conformações, com diferentes arranjos tridimensionais e com uma multiplicidade variedade na composição de sua cela unitária.

“Quando aplicamos esta abordagem para obtenção de cristais multicomponentes, a previsão é de estado sólido. De fato, compreender e controlar os principais fatores da formação de formas multicomponentes é uma tarefa fundamental e muitas vezes de difícil controle. No estado sólido, existem 230 maneiras distintas – Grupos Espaciais− de uma molécula com uma dada conformação de empacotar por diferentes arranjos supramoleculares. São variáveis que tornam a previsão, teórico e experimental, da formação de cristais intratável. Na busca de formas sólidas ótimas de compostos farmacêutico, área em que este tópico se consolidou, se estabelece uma abordagem científica para alterar e controlar as propriedades do estado sólido sem alterar a unidade farmacofórica, i.d Engenharia de Cristais”, diz.

Herbicidas

De acordo com o pesquisador, os compostos agroquímicos (IAQs) tal como herbicidas são normalmente formulados como soluções ou como misturas sólidas com outros incipientes resultando em um defensivo agrícola. Em geral, formulações líquidas são preferidas nas práticas agrícolas devido a aplicação por aspersão ou pulverização.

“Existe uma demanda por defensivos agrícolas de alta eficiência e mínimos impactos ambientais. Nesta perspectiva, um dos fatores a se analisar na busca de tais atributos é solubilidade do IAQ, uma vez que ela regula a disponibilidade destes compostos para os alvos de atuação (pragas). Além disso, processos de degradação, lixiviação e deriva da formulação podem ocorrer simultaneamente – limitando a eficácia da aplicação em valores reduzidos e originado problemas ambientais, pela aplicação excessiva”.

No estado sólido, segundo Paulo, os IAQs herbicidas são compostos bioativos e podem existir em diferentes formas sólidas tal como polimorfos e formas cristalinas multicomponentes tais como co-cristais, sais e hidratos.

“E é possível que dada forma do IAQ seja mais solúvel ou ainda que resulte em modificações durante a sua manufatura comprometendo o desempenho da formulação. Assim, o desenvolvimento de novas formas sólidas de herbicidas, constitui uma proposta atrativa para manufatura de componentes mais eficazes e com propriedades melhoradas. Por exemplo, um herbicida numa forma sólida mais solúvel que sua forma neutral permite repensar dosagem e aplicação em campo. São essas as motivações para o estudo de EC para compostos agroquímicos”, completa.

Em andamento, o trabalho de pesquisa do professor Paulo com os herbicidas Ametrina e Atrazina prevê redução de 50% da dose aplicada em campo. “Ou seja, esses herbicidas utilizados como cristais multicomponentes exibem uma solubilidade dez vezes mais que as respectivas formas neutras que possibilita que uma dosagem mínima de 0,5kaha-1 apresente uma eficiência herbicida comparável aquela dos compostos puros em doses de 2.5ka.ha-1 “, afirma.

A produção de novos IAQs também impacta a manufatura, segundo o pesquisador, e o estado sólido de um composto bioativo reflete na compreensão de todas as suas propriedades. “É este conhecimento que é protegido em forma de patentes. Logo, uma nova forma sólida de IAQs pode ser utilizada tanto para gerar novos caminhos de síntese e repensar formulação de defensivos, bem como também para o surgimento de novos produtos, com outra roupagem, processo semelhante aos medicamentos genéricos e similares”.

Paula Pimenta